segunda-feira, 10 de março de 2014

Carta


Untitled

Querido,
venha me salvar. As lâmpadas não acendem mais. Acho que cortaram a luz. São muitas contas a pagar- não que me falte dinheiro, falta força de vontade. Ou. Não sei.  Aquele algo que você dizia fazer o corpo funcionar. Eu perdi, você achou? Você costumava achar qualquer coisa pra mim. Perdi coisas mais importantes do que sapatos ou as chaves, devo confessar. Nunca mais fiquei ansiosa pra fechar as portas do apartamento, com medo, você lembra? Nunca mais depois que você foi embora. Se você me visse agora, arrastando os pés por esse apartamento porque dói demais pisar no chão, será que você me explicaria o que houve? Ou o que não houve? Durmo de portas e janelas abertas na esperança de você vir brigar comigo falando mais uma vez que eu sou desapegada da vida. Precisava ver agora. Mas não entrou ninguém aqui, uma pena, nem você. Passo a maior parte do dia dormindo de olhos abertos, às vezes eu queria que alguém chegasse gritando, socando as paredes, chutando os móveis, qualquer coisa pra eu despertar. Virei um fantasma de você, querido, onde estão as respostas?  Você me deixou sem nada. Todas as manhãs quando acordo, me pergunto se você ainda toma seu café forte, ou se por um milagre aprendeu a gostar de leite. Nunca entendi. Às vezes eu preferia que você tivesse morrido. Por que teve que ser eu? As pessoas dizem que você não gostava de mim. É verdade? Porque as portas do armário continuam abertas sem nada dentro do jeito que você deixou. Acho que a minha mãe varreu a casa, eu lembro de estar tudo sempre tão imundo aqui. Passei seis meses dizendo pra minha mãe e pro porteiro que você tinha ido em busca do motivo que eu disse pra você que queria encontrar, eu tive certeza de que você tinha ido achar pra mim, por uns seis meses ou seis anos eu tive certeza.  Não consegui abandonar a casa, você parou a nossa vida ao meio e eu fiquei buscando pistas nesse cubículo. Nem um bilhete você deixou. Eu deveria te odiar, mas nem isso você me permitiu. Fiquei tentando encontrar o motivo que você não trouxe. Cortaram a luz, querido, mas minha mãe vai pagar a conta pra mim. Ela sabe de tudo e eu desaprendi tudo. Acho que daqui uma semana vou embora. Cheguei a arrumar minhas coisas outro dia, mas não achei a sandália que você me deu de aniversário e perdi a coragem. Não me movo daqui sem achá-las. As pessoas não entendem. Elas acham que você não gostava de mim. Vou embora porque nem eu sei. Preciso encontrar tudo que você levou de mim. Muito mais importantes que as sandálias ou as chaves. Eu preciso do motivo, querido, e agora finalmente sei que não posso mais contar com você.

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