quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Borrado


La Tricheuse. | via Tumblr


Ficou uma mistura de ressentimento e tédio borrado pela desimportância que o silêncio tomou. A marca da procura da minha face em qualquer um desses espelhos quebrados. O pouco que sobrou foram umas lascas de vidro que custei pra encontrar o brilho. De tanto rastejar acabei cortando as palmas das mãos. Ficou a estranheza da falta da rotina, sorrindo calada um corte cruel. Foram-se doentes as minhas mãos geladas e paradas. Ficou o calor solitário de uns poucos instantes. Foram-se as paredes brancas, as fomes tantas, o medo do mundo. Ficou o grito do insulto, o sorriso imundo, as muitas palavras. Depois de tudo do nada, a alma gelada, a pele maltratada; ficou o veneno nas veias, a moldura perfeita e um anjo caído. Ficou o cabelo cortado, o perfume usado, todos os cheiros decorados. Foi-se a textura macia, a água da pia. Foi-se o abraço apertado, o pranto calado, o último recado. Ficaram-se os olhos roubados, o vermelho dos lábios, a pura falta do fim. A pergunta mais triste, na verdade, se o roubo do presente dava fim ao passado, era só a vontade de responder aquilo que nunca perguntei. Um anjo surrado, de porcelana, quebrado. O sonho roubado que ninguém me concedeu. Ficou a pergunta mais triste, se eu não tinha mais nada pra dizer: não naquele momento, afinal, algumas coisas não cabem nos nomes. Alguns nomes não cabem nas coisas. As asas nunca couberam no anjo e ele se espatifou no chão, sem fazer barulho, em menos de um segundo. E com ele, todo o peso do mundo.


(A tempestade, o mar calmo, e finalmente, um ri(s)o raso)

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

A única certeza


Eu tinha certeza de tanta coisa na minha vida. Certeza da mão quentinha nas minhas costas, certeza quando acordava de manhã. Certeza de você, quando você me ligava numa tarde qualquer. A gente se acostuma tanto com o sol nascendo de manhã que quando ele não nasce é esquisito. Quase engraçado. Mas não chega a ser porque existe uma linha tênue entre as coisas de verdade e as coisas que podem ser só sentidas com o coração.  Eu tinha certeza que não ia ser feliz nunca mais. Que bobagem. Que bobagem é a vida. Que estranho. Hoje joguei umas palavras fora (do computador) e tive certeza dessa frugalidade que é viver. Hilário. Quase entediante de tão louca. Hoje apagando essas palavras pensei no que minha terapeuta disse do martelo, dos pregos e da madeira. Se retirarmos os pregos da madeira, as marcas permanecem lá após anos. Ou quando um espelho inteiro lindo quebra e a gente tenta limpar com as mãos sangrando em busca de um brilho qualquer. Esse texto não é sobre nada em especial, só o fato de que eu hoje parei pra rir de como a gente tem tanta certeza das coisas e no final descobre que não era nada daquilo. As certezas são eternas enquanto duram. E engraçadíssimas quando passam. Vivemos em busca delas, pra ver se fincamos um pouco o pé no chão em meio a esse mundo que gira rápido demais. Mas meu pai sempre me disse que se a gente afunda o pé demais na areia a onda nos leva. É por isso que eu ando mudando os pés de lugar às vezes. Pra dar pé viver. Pra dar pé amar. Pra onda não levar. Meu pai anda um pouco cansado já pra me segurar quando eu tô com medo do mar. E nunca se sabe se os salva-vidas vão chegar a tempo. Bobagem contar com a sorte. A sorte é só mais uma dessas certezas equivocadas e de última hora que a gente coloca na cabeça pra não morrer afogado num oceano de dúvidas. Eu engasguei um pouco com o sal do mar pra aprender que eu não sou peixe. Mas minha vó sempre me chamou de sereia. Ah, que bobagem a vida. As coisas são tão efêmeras. Como as folhas que despencam das árvores num aceno tímido. E não voltam nunca mais. Temos certeza das coisas enquanto elas sorriem, abraçam, beijam. Temos certeza das coisas enquanto são, depois que elas apodrecem, murcham, não são mais. Nós e nosso mundinho de certezas. Certezas tão passageiras e subestimáveis. Coitadinhas das minhas certezas. Reguei com tanto amor. Como rosas que uma vez tiradas da raiz morrem em dias. Eu tinha certeza no quentinho das mãos todos os dias. Acostumei com as mãos geladas, que apesar de tudo, são minhas e são mais dignas. Um pouquinho que seja. Porque não quero ter certeza. Não gosto, não aprovo, não faço questão. Coitadinhas. Tão pequenas e imaturas que nem mereciam existir. Mas é necessário que existam porque viver sem elas é como viver sem a mão do meu pai no mar quando eu era pequena. Mesmo que eu tivesse que nadar um pouco pra alcançar. Porque eu tinha certeza que ia amar tanta gente pra sempre. E porque sou tão capaz de amar que minhas certezas tiveram ciúmes de mim. E me roubaram só pra elas. Porque amar não precisa ser pra sempre. Já foi. Mesmo não sendo. Só de ser amor já foi pra sempre. Sinceridade na alma é tudo, mesmo que o outro não tenha existido de verdade. E eu ri da minha falha. Eu brinco dessa coisa porque gosto de acreditar na eternidade como um véu de noiva que o noivo levanta pra beijar como se aquele fosse o único momento importante na vida. Porque eu achava graça do meu pai me dizendo que o mar ia me levar e eu sempre tive tanta certeza que um dia ia levar mesmo. Nem veio. O tempo passou e o mar nem veio mais. O tempo passou e é só isso. De novo. Não que algum segundo ou milésimo de segundo tenha deixado de passar. É só que, de uns tempos pra cá, ele tem passado rápido demais. Talvez por causa das dezenas de rosas que eu joguei no mar pra Iemanjá. Talvez o mar nunca veio porque eu nunca fui. E talvez eu nunca tenha ido porque tinha certeza que ele viria. Que azar o meu. Nunca contei com a sorte. Que bom. O tempo passou. É só isso. Minhas rosas estão no Pacífico, murchas, por aí, como as minhas certezas. Tinha tanta certeza do quentinho nas costas e do sorriso que aquecia as minhas manhãs, tardes, noites, certeza de que nunca mais fosse ser feliz, e a única certeza que eu tenho é que, infelizmente e super clichê, amanhã é mesmo outro dia. Até que a certeza do outro dia vire pó como o resto todo.