quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A bomba-relógio sem ponteiros

XOXO. | via Tumblr


Meu coração é um piso frio de madeira. Ou de cerâmica. que a gente deita à noite, meio que pra confirmar que é frio mesmo. Meu coração é um grito mudo no vácuo. Meu coração é um balão inflável que inchou pra dentro. E estourou. Meu coração são pedaços emendados de papel. Manchas de tinta. Ou de sangue. Meu coração são cacos minúsculos de vidro. Cachoeiras imensas de água. Ou de lágrimas. Meu coração é um estilingue no olho do objeto amado. É o gatilho que não chega a ser puxado. Meu coração são cortes fundos na pele. Sangrando, sem estancar. Meu coração são cicatrizes bonitinhas que não falam. E com elas, converso. Meu coração não tem válvula de escape. É um aglomerado de gente na Avenida Paulista. Meu coração é claustrofóbico. Dentro de um ônibus lotado. Meu coração são as portas fechadas, e as janelas, abertas. Meu coração é um barco naufragando em alto mar. Sem vela. Sem trégua. Meu coração, desesperado, por um triz na corda bamba. E ainda assim, samba. Meu coração, apaixonado, se joga do penhasco. E acha o máximo. Meu coração é uma bomba-relógio. Sem ponteiros. Meu coração é um pinheiro. Todo seco e congelado. E que rende frutos. Meu coração é o diabo. Meu coração é um cão dos diabos. A flor diabólica que alguém plantou. Meu coração, cheio de espinhos, sem carinho. A flor maldita, à espera de um sopro de vida. Recaída. Meu coração é um gol nos 45 minutos do segundo tempo. É um choro, sem lamento. Meu coração é um tormento: egoísta, masoquista, maniqueísta. Meu coração é uma nuvem linda que chove e some. Meu coração é um raio na cabeça de alguém. Na minha. Meu coração é uma topada na quina da mesa. A voz presa. Todos os ossos quebrados. Meu coração, se falasse, sufocaria. Meu coração é mais do que isso. É bem mais do que tudo isso.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

O único ódio que eu sinto (nua)



Eu em paz com as minhas coisinhas. Eu em casa feliz e normal. Eu, pela primeira vez, com a felicidade calminha que nem dói porque não explode no peito. Eu, pela primeira vez, só e tão cheia de mim. Eu sem dor, eu sem falta, sem pouco, sem metade, sem angústia, sem aborrecimento. Sem intensidade. Eu sem mim e mesmo assim tão eu e tão pouco tempo. Eu feliz, normalzinha no meu mundo e o mundo todo acontecendo lá fora. Eu, pela primeira vez, sem me importar. Eu que tentava diminuir o mundo pra caber nele. Sofrida, dolorida, retraída, manca. E agora eu me diminuindo pra fazer parte do mundo sem que ele me esmague como um gigante de dois pés impiedosos. Eu normal em casa, eu normal tão estranha que nem é normal. Eu sempre tão eu que meu normal ainda é uma ventania capaz de derrubar a minha casa. Mas eu normal eu. Tão normal que vou tentando simplesmente. Me sentindo com 10 anos de idade e minha alma velha e cansada assim mesmo. Eu me fantasiando pra poder ser feliz. Eu normal e quieta, em casa, com as minhas coisas. Pela primeira vez, sem sentir ódio disso. Esse ódio das coisas mornas e normaizinhas. E eu frívola, insossa, morna, normalzinha em casa sem sentir nenhuma pena ou ódio disso. Eu menos eu, tentando me subtrair pra poder ser sem dor. Eu sem o peso nas costas, eu leve, eu sem a carga que me fez mais eu do que jamais um dia serei. Eu numa soma de menos apenas pra continuar seguindo sem ser zero. E eu aqui e tanta gente passando por mim do outro lado da rua. Gente que já entrou na minha vida, na minha casa, e mais íntimo e sufocado que isso: na minha alma. Desconhecidos conhecidos que me conhecem bem, e ao mesmo tempo, não. Gente de carne e osso, vestidas com uma capa preta maldita, fúnebre e transparente. Porque quando é você lá e eu aqui e eu uso essa capa preta, me sinto nua mesmo assim. Porque a gente outro dia estava tomando sorvete feliz e você fazendo cara de nojo pra mim. E só porque eu odiava aquela cara de nojo mas amava você. Amava tanto você que não cabia no meu peito, e agora tenho nojo. E você mais um, menos um, e ainda assim você mais do que ninguém. Porque quando eu saí correndo na rua e você tomou os meus pulsos, dizendo que nunca me deixaria sozinha. Porque você foi embora e me deu as costas sem sentir nenhuma pena disso. E eu te amava sem sentir pena de nada. Dois extremos da vida. Os dois lados da moeda. Você costumava brincar disso. Deu coroa, meu chapa. Pena que dessa vez não teve graça. Eu aqui e você aí. E eu nua a olhar pra mais um desconhecido conhecido. Daqueles que um dia foram únicos e daí viraram pó. Eu nua achando engraçado e triste. E eles, vestidos, se cobrindo em vão. Puros, cobertos e sujos. E eu aqui sem entender. Nunca entendi, e graças a Deus, nunca irei. Mas aceito, então, já que foi a única coisa que me restou. Eu meio chorando, meio rindo, olhando, pela centésima vez, um desconhecido conhecido do outro lado da rua. Esse sim, posso dizer, o único ódio que eu sinto: eu nua, vestida da cabeça aos pés, mais uma vez.

"A vida seguiu tão normalzinha, eu falei pra minha analista. Tanto que você tá estranhando, ela respondeu. É. Sorrimos sem intensidade e duração, da casca que agora separava meu sangue de salivas. São águas que correm paralelas com uma pele no meio. Ela só disse 'olha que bom' e ser tratada como uma pessoa não foi mais tão horrível. " Tati Bernardi