sábado, 30 de agosto de 2014

As almas



Vejo nesse jardim almas felizes e meninas
com suas longas tranças e saias
esvoaçantes

Nesse raio de luz refletido no teu olho verde puro
observo o mundo e o mundo olha preguiçoso
pra mim

E vão elas, as crianças
felizes felizes radiantes sorridentes
rodeadas de paredes coloridas e
nascidas cinza de um ventre que não as quis

Ou que não pode querer ou que morreu antes
de esboçar um desejo.
Vejo as meninas neste quintal subindo nas árvores
catando mexericas

E as sinto doces como o sol poente no fim da
tarde resplandecente
de uma alegria martirizada tão carente
pura como um salto no escuro

Incoerente, mas em busca da beleza e do mais límpido
matiz do céu.
Como um raio de luz. Apenas um.

Ah! Lá se vão as meninas
enquanto as olho, saudosas,
estou indo embora do orfanato.


terça-feira, 12 de agosto de 2014

Infinito

A incrível história da menina que passou a infância na selva africana



No dia em que você foi embora pela terceira vez naquele mês, eu pisei forte no chão da minha casa como os soldados na Segunda Guerra mundial e caí na minha cama como um bicho muito pesado que não tem noção do seu peso. Foi aí que, cansada das pessoas, comecei a tagarelar, meio sem voz, com a minha cachorra. Até que, em dado momento, eu lembrei com pesar que ela já estava lá meio velhinha e logo ia me deixar também e fiquei com uma raiva tão grande do mundo que nem sei se existiria alguma coisa depois daquilo. Eu nem sei. Olhei novamente para ela e acho que a pobrezinha estava chorando. Ou talvez eu. Sei lá, me bateu uma baita pena de mim que estava limitada a minha condição de gente, e amando tanto um animal que logo ia morrer que pensei em me jogar em qualquer lugar só pra que ninguém olhasse mais pra mim ou nunca mais me deixasse olhando para as minhas próprias mãos em busca de alguma coisa que eu juro, estava ali, mas sumiu. Minha cabeça doía de cansaço e a minha cachorra continuava olhando pra mim. Foi aí que fiquei com raiva dela também porque me vem esse ódio enorme de todas as coisas que me limitam a um amor tão grande e tiram a razão do meu corpo como se retira um órgão. E a tirei do quarto. E fico olhando as minhas mãos me odiando também por amar assim, não com a pureza de uma criança, mas como o Ghandi que fez greve de fome, como o louco que foge do hospício procurando o sol, procurando o sol, em busca do sol. Porque a vida quer me engolir, mas eu conseguia suportar porque com você a vida arde de uma angústia enorme como um náufrago no meio do mar que só vê imensidão. E é avassalador, mas eu conseguia aguentar as presas enormes da vida. Mas agora eu sinto que ela vai acabar comigo, e trouxe a minha cachorra de volta pro meu quarto porque mesmo com pouco tempo de vida ela é a única coisa que apazigua o inferno do meu coração e que, mesmo se eu abrir a porta, não irá embora. Porque ela não é um pássaro  e sim um animal cujo coração é a sua própria liberdade e isso o faz ficar. E dormi a noite inteira abraçada com os pelos brancos, desejando ao meu peito liberdade infinita. Dormi quase como se eu nunca fosse acordar, e acordei com o sol do louco no meu rosto. E só não o odiei  também porque a vida quase me engole mas não me destrói. E porque meu peito sempre dói como um admirador do mar desesperado para achar a praia, mas é a única coisa que me faz continuar vivendo.