terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Curtinho

Filme

Quando o amor acaba, pra onde vai? Pra onde se vai? Por que se fica? Quando o amor acaba, por que continuamos tomando café da manhã, comentando do acidente da rua tal, comprando jornal, saindo pra dar uma volta? Quando o amor não volta, pra onde se vai o ar pra "dar uma volta"? Os garfos e as facas. Tudo no mesmo lugar. E que chave usamos pra trancar o caos? Por que não fazemos um funeral, luto a esse amor mais um que morreu. É que tanto faz o funeral ou não, tudo é a mesma coisa. Não tem ninguém querendo assistir o luto. Por isso continuamos dormindo, comendo pão, saindo pra dar uma volta. E pra onde o amor vai? De volta pro amor. Pro pão, pro jornal, pras calçadas. A gente vai pisando no amor dos outros. E se vai por aí. O amor é uma corrente de ar. Quando acaba vamos pra rua procurando outra pra respirar normalmente. E aí não se fica em lugar nenhum.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

A paz do freezer e pensamentos aleatórios

Untitled

Então a vida é como o freezer e ficar olhando pros gelinhos grudando nos cantos. O gelo está sempre ali e ali e ali. E eu gosto dessa facilidade que existe: se ele vira água a culpa não cai sobre ele, a maldita culpa. Se ele fica no freezer, nenhuma mudança, ótimo. Um gelo não sente frio, o gelo É o frio, então a vida é simples como um gelinho idiota olhando pra mim com cara de nada, porque um gelo é um monte de nada que vira água e depois evapora, aí vira um monte de nada nada nada e depois vira água de novo. Inútil. Mas confortável. Não existem muitas opções, é sua natureza. Eu queria ser um gelinho, porque olhando ali, meio abobada, meio reflexiva, com a cara dentro do freezer aberto e sentindo um absurdo prazer de pensar que a vida é todo o gelo ali, as coisas como são e ninguém poder fazer nada porque o frio da vida é a própria vida. E a natureza de tudo está na própria natureza de tudo. E me senti como um gelo derretendo lentamente, asfixiando dentro de um copo de refrigerante, e leve leve leve leve, querendo voltar pra paz do freezer. Porque lá as coisas vivem antes de morrerem de novo. E porque lá o tempo para, mesmo eu não acreditando muito nesse negócio de tempo. E lá você é um gelinho, nada de especial, ninguém pra ser, nenhuma obrigação de ser nada, além daquilo grudando nas paredes, nada de luz do sol. Ninguém quer derreter. Mas o gelo pode ressuscitar e eu gostaria de acreditar que não, que a gente pudesse ficar pra sempre e sempre e sempre dentro do freezer. Parados no tempo, no espaço, com qualquer idiota olhando pra gente e a gente não sendo nada. E não se sente frio. E não se sente o calor porque o calor não existe, é a falta do gelo próprio. Aí a pedrinha derrete e nem sente calor, vira calor, um frio a menos. E todo o resto suando e água por aí virando gelo de novo. A paz do freezer. E a gente sempre se transformando em alguma coisa e voltando a ser o que era. E o ciclo todo se repete e nada da paz mundial, só a paz do freezer e de cada um sendo o frio do seu próprio gelo. E nada.

sábado, 4 de janeiro de 2014

O motivo (a falta dele)


Eu vejo uma garotinha parada à minha frente. Pequena e indefesa, mas parece bloquear o caminho. Olho pra ela. Ela olha pra mim como se eu não estivesse ali. E a gente não diz, mas se entende. Não saberia dizer quantos anos ela tinha. Cada vez que eu piscava, ela parecia uma menina diferente. Ora sorridente, ora com uma melancolia estranha nos olhos. Parecia tão pequena e andava por aí como se fosse grande. Jovem, criança, um abismo no mundo. Pulava pra saber se podia voar ou pulava pra saber se a queda doía. No fundo sempre quis saber o que existia do outro lado. Seja qual for. Ela não me contou, mas eu soube. Aquela menininha ali, parada na minha frente, muda, e ao mesmo tempo com o sorriso mais escandalizado do mundo, divertindo a todos com aquela graça e jeito de ser. Sabia muito da vida, mas a vida não sabia nada dela. Ninguém sabia. Os dias mudaram e ela foi tentando se moldar ao que queria ser. Não deu certo, eu acho. Durante muito tempo tudo que ela soube fazer era deixar os outros felizes. Deixar que rissem dela, e rindo dela mesma. O problema é: quem saia ganhando e quem perdendo? Com o tempo o riso escandalizado perdeu o sentido. Do que ela tanto ria? Ria sempre e sempre e sempre. Não tinha fim. A vida não era tão engraçada assim, no final das contas. E agradar as pessoas tornou-se desagradável. Por quê? Pra quê? No fundo nenhuma daquelas pessoas sabia quem ela era. Daquele abismo de gente. Ou pula, ou pula. Sem opção. A vida era boa demais pra ela ficar sempre no mesmo lugar. E o resto do mundo? E o resto das pessoas? Talvez por isso risse tanto. De nervoso. De dúvida. O mundo do nada era grande demais e as pessoas muito imprevisíveis. Será que riam dela porque ela era engraçada? Será que ela era mesmo louca como todo mundo dizia? Ou será que riam dela porque ela era diferente das outras pessoas, porque talvez, pra gostarem dela, ela tinha de promover bizarrices? Seria que ela queria ser a louca, a engraçada o resto da vida? Do que servia isso tudo? Não queria ser diferente. Queria ser igual a todo mundo. Não ter que impressionar ninguém com suas bizarrices pra se sentir amada. Aquilo nem era amor. As pessoas, os amigos, a usavam pra se divertir. Inesgotável fonte de diversão. Riso na certa. E? Nem tudo é tão engraçado. Não era legal ter todo mundo rindo dela 100% do tempo. Pra quê? Por quê? O mundo era grande demais e ela parou de rir de si mesma. Não tem graça. Não tem graça. Eu não tenho graça. Essas pessoas não riem para mim, elas riem de mim, pensava. Será que era mesmo bizarra ou será que tinha aprendido a ser assim, o assim era mais cômodo, porque assim todo mundo a achava o máximo, e talvez ela não fosse nada daquilo. Ou pelo menos aquilo não fosse tudo que ela era. Uma risada ambulante. Um caminhão de lixo. Risada. A merda do mundo. Risada. Olha aquela ali. Risada. Olha pra mim. Risada. Vamos deixar a louca ali sozinha e fingir que a gente sumiu. Risada. Vamos pregar uma peça com a menina bizarra, ela nunca se importa. Mas um dia ela se tocou que não queria ser assim pra sempre. Tinha mais pra dizer do que o som inexpressivo de um riso maximizado pela falta de resposta dizia.
Eu olho pra essa menininha, parada à minha frente. Ela não pode me ver, ela não sabia que um dia eu existiria, ela não faz ideia de quem eu sou hoje. Ela não pode me ver. Mas ela ri de mim.
Porque talvez.
Eu não seja hoje.
O que ela tanto queria que eu fosse.
Porque talvez eu não tenha conseguido voar quando resolvi pular do abismo.
Talvez porque.
A menininha ria tanto.
Que eu cansei de rir sem vontade.
Não sou obrigada.
E talvez eu não seja hoje o que ela sempre quis que eu fosse, talvez não tenha conseguido tantas coisas, conquistado tantas coisas. Ou talvez eu tenha. Ela não me vê, mas ri de mim. Ri fielmente de mim. Um riso escandalizado. A cidade toda parou pra ver. Ela rindo de mim. Como se eu não fosse parte dela. Como se fosse uma parte de mim que nunca tivesse existido. Como se ela não soubesse que eu um dia existiria. Porque ela não sabia. E eu rio dela, um riso escandalizado que a cidade toda parou pra ver também. E eu rio dela porque ela ria tanto do mundo o tempo todo e das pessoas o tempo todo e distribuía sorrisos e eles eram inúteis e hoje nada tem tanta graça e o mundo não tem mais graça e eu não tenho mais graça. Não consigo rir de mim, eu só rio dela por pensar que talvez, um dia, eu fosse rir de mim mesma de verdade. Um sorriso verdadeiro, de orgulho, porque eu desvendei o mistério do mundo, porque eu fiquei grande, porque eu nunca mais seria a menininha que deixava os outros rirem dela. Eu nunca deixei mesmo. Mas também nunca mais ri de mim, alegre, sem saber, porque eu era bizarra, porque eu era louca, e mesmo que eu fosse bizarra e louca pra minha idade eu via um mundo que as pessoas não viam. Um mundo mágico e não existe porra de mundo mágico nenhum hoje. Porque eu via o mundo com olhos encantados e hoje eu rio sem parar da menina. E ela morre de rir de mim, rola no chão, como nos velhos tempos. Porque talvez eu ainda seja a louca e a bizarra pras pessoas, mas hoje porque eu vejo o mundo cheio de detalhes, de forma minuciosa. O mundo do jeito que ele é. Do jeito que ele é pra mim. Não um mundo mágico como antes. Só o mundo que me reflete. E eu rio do mundo, e ele ri de mim. E eu rio da menininha, e ela ri de mim. Porque ela não sabia que um dia eu existiria, mas eu sei que ela sempre vai existir. Porque ela era louca, bizarra, e esperta. E talvez porque eu não tenha mudado tanto. Só tenha parado de rir de tudo. No fundo eu só queria que as pessoas me levassem à sério, prestassem mais atenção em mim e não em qualquer uma que eu estivesse aprontando.
Talvez.
Talvez.
Talvez.
Eu nem sei se ela gosta de mim. Ela nem olha mais pra mim. Me esqueceu antes de me conhecer.
E vai dando essa hora.
Aí eu nem sei.
Eu era a menina que ria de tudo.
A menina que achava uma tremenda graça no mundo.
E hoje eu sou a menina que busca alguma graça no mundo.
Usei toda a graça de uma vida toda na infância e descobri que o mundo não era tão mágico assim como era pra todo mundo naquela época antes.
E hoje minha alma é velha. Cansada do mundo. Gastei a graça toda.
Era tão louca e bizarra por achar o mundo o lugar mais engraçado.
E hoje sou louca e bizarra por não conseguir achar muita graça no mundo.
Na fome. Nas crianças. Nas mulheres. Nos homens. Nos motivos.
Na falta deles.
Eu não tenho um motivo pra ter deixado de achar graça no mundo: eu virei um espelho do mundo. Eu não queria achar mais graça de mim pelo fato de que todo mundo sempre achava graça de mim e o mundo ficou sem cor. Sem som. Sem graça. Sem porra nenhuma.
Porque a fome e as ruas sujas e os caminhões de lixo e toda a podridão do mundo.
Não tem nada de engraçado aqui nesse planeta Terra.
Eu percebi antes de todo mundo.
Vai dando essa hora.
E eu nem sei.
E eu não tenho um motivo. E todo mundo quer a merda do motivo e eu tenho vontade de mandar todo mundo pra puta que o pariu porque o mundo perdeu a graça pra mim antes de ter perdido pra todo mundo. E eu sempre estou dois passos à frente na desgraça desse lugar, na desgraça de mim e do mundo. Ri demais. Ri muito. Descontroladamente. As pessoas me achavam o máximo por isso. Ninguém me acha o máximo agora. E eu prefiro assim. Porque assim eu posso ser eu. Aquilo que a menina nunca foi. Talvez fosse isso que ela queria que eu me tornasse. Como eu poderia saber? Alguém tinha que receber a culpa dela ser tão diferente, de ninguém a compreender, de ser um balão inflável que só incha pra dentro e pra dentro e pra dentro. Quem recebeu a culpa fui eu. E eu aceito numa boa. Sempre foi minha. A culpa e a felicidade. O riso e a angústia. Duas partes de mim, o passado e o presente.
Porque vai dando essa hora.
E eu nem sei.
Porque a angústia me apunhala pelas costas.
Como se eu sempre estivesse esperando ela me atacar e me jogar na cama e ficar por lá.
Como se eu soubesse que a angústia é o peso que se paga por rir tanto.
O preço que se paga por querer saber tanto.
Por saber tanto.
E por sofrer tanto.
Porque ninguém tem o direito de ser infeliz.
Porque no fundo a menina sabia que só sendo feliz e alegre e fazendo todo mundo feliz e alegre pra ser amada.
Porque ninguém ama um abismo de gente.
Porque ninguém chega a conhecer o outro lado do abismo.
A menos que pule.
É o preço que se paga por ter rido tanto.
Se quem ri por último ri melhor eu nunca vou saber.
Porque eu ri primeiro de todo mundo saber.
E como.
Ainda escuto aquele som.
Distante.
Do outro lado do abismo.
Olhando pra mim.
Rindo pra mim.
Me chamando.
Mas eu não vou. Eu nunca vou.
Eu acho que eu não quero mais saber o que tem do outro lado.
Eu sou o outro lado.
E graças a Deus nunca mais vou rir de tudo e deixar as pessoas rirem de mim.
No fundo eu só queria a ingenuidade de novo.
E me sinto pequena como aquela menina.
E desisto de ser grande.
E fico fraca.
E ela olha pra mim.
A gente se abraça.
A gente vive assim.
Quando eu canso de mim, volto a ser a menina. Quando ela cansa de si mesma, ela sonha em ser eu.
E nós duas saímos ganhando. E nós duas saímos perdendo.
E eu rio dela. E ela ri de mim.
Ninguém ri de nós.

"Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você."

O abismo sou eu.