sábado, 14 de dezembro de 2013

Olhos nossos



Os olhos dele eram como duas chaminés grandes
Por dentro deles saía uma fumaça clara e escaldante
Que me impedia de enxergar
Alguma coisa

Os olhos dele eram da textura de suas mãos
E me lembravam paredes muito brancas e com um leve
Tom de azul
Serenos

Por detrás dos olhos dele havia uma tinta permanente
Pregava na gente
E eu tomei vários banhos dos seus lábios
E nada

Os olhos dele soavam como o relógio
Ficavam se movendo, se movendo
E nunca perdiam um brilho
Me sorriam e acenavam aqueles olhos
Eles emudeciam e me davam adeus, pálidos e lívidos

E cada segundo sem os seus olhos
Foi como ser cega desde que nasci
Eu não sabia andar sem os seus olhos
Não podia me mexer sem os seus olhos
Encolher as pernas e tudo o mais que você sempre disse
Que era coisa de gente estranha
Eu não conseguia fazer.

E mesmo se você saísse por um instante
Pra beber água
Eu queria ser a água que você bebia
O copo que você seguraria
Mas eu jamais poderia ficar
Sem os teus olhos

Seus olhos cheiravam grama molhada
A alma guardada
Um abismo camuflado cheio de luz
E eu queria entrar dentro deles
Arrancar as suas vísceras
Tomar o seu sangue
Te deixar cego
Como eu me sentia toda vez que você se ia

Onde eu iria guardar o meu amor se você dormia com eles fechados
E em paz
Pra quem eu iria sorrir se você não estava mais olhando pra mim
E todo segundo que você não estava lá
Eu não sabia fazer nada
Não tinha ninguém pra olhar pra mim.

E eu não sabia ser sem os seus olhos
Mas eu nunca fui nada perto deles
Eu decidi ser alguma coisa
Então no dia que você virou-se e foi, com a sua mochila nas costas
Eu tirei os seus olhos das órbitas, e coloquei no lugar os meus
Pra que você nunca pudesse mais me ver
Nunca mais pudesse mais me olhar ou me tocar ou me espremer
Me sufocar, arder, mandar e implorar
Com esses teus olhos.

Eu coloquei os meus pra você sempre me ver com outros olhos
Que não esses
E porque eram minhas e não as tuas vísceras
Que você começou a não mais me suportar
Como os ricos odeiam os pobres
Pelo simples fato deles existirem

Eu fiz você me olhar com os meus olhos
Porque assim, eu nunca mais sofreria a maldade dos teus
E em um segundo, como se não percebesse a loucura do ato
Eu passei a te detestar também
Você me olhava com os meus olhos
E eu nunca mais olhei nos teus

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