quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

A carta que eu te fiz que começou do fim

What if?


Hoje sonhei com gritos. Palavras mudas. E decidi jorrar sangue já que poucas vezes fui ouvida. Tudo vai bem. Sei que você não perguntou. Do quintal descobri que aquele barulho que assustava tanto a gente era só a tartaruga. Ela escondeu de novo. Igual você, aquela vez. Meu pai continua colocando o DVD que a gente tanto detestava aos domingos e nos aniversários. As cachorras nunca mais latiram pra você porque você nunca mais apareceu por aqui. Ficou um silêncio triste. Na sala, no meu quarto, na cadeira onde eu deixava o seu moletom. Perto da piscina onde a gente olhava o céu. Preenchido pelos calafrios da falta das suas mãos em mim em uma noite fria. Esse amor me dava 40 graus de febre. Silêncio substituído gradualmente pela resignação. Que nunca desejei. As minhas tias finalmente pararam de perguntar sobre você e me dizer aquelas coisas de “quem ama vai atrás”. Elas não faziam ideia de que eu te seguiria pelo universo se um dia tivesse tido a chance. Fazer o quê. Voltei a comer e até a achar graça na vida, olha só, a mesma pessoa por quem você se apaixonou um dia. Acabei descobrindo que aquela parte de mim que você tanto detestava era só outra parte de você tentando morrer. Veja bem, meu velho amor, você foi embora da minha vida e nem me deu a chance de te agradecer.  Você me soltou as algemas. Elas eram de plástico e mesmo assim eu não tinha forças para me libertar. Obrigada. Hoje sou uma pessoa melhor. Só de te olhar. Porque se antes te tomava como exemplo, hoje continuo fazendo isso, só que de um jeito que você não ia gostar de ouvir. Algumas coisas são melhores quando não são ditas. As flores que você me deu no nosso aniversário de um mês murcharam dias depois. Coincidências não existem e o que havia entre nós estava morrendo também. É que as rosas amarelas nunca seriam tão bonitas quanto o que eu sentia por você. Nos dois casos, reguei igual um jardineiro inexperiente e desesperado. Seus olhos cansados e marejados hoje olham outros olhos, mas, ainda, de vez em quando, esbarram com os meus. Que ainda continuam verdes no sol. Outras pessoas tiveram a chance de notar. Continuo sendo quem eu sou. Aquela que você não me deu espaço pra ser.  Aquela que você tanto diminui depois com o discurso disfarçado de antes de “vá atrás dos seus sonhos”. Eles estão se realizando, mas dessa vez eu não precisei das suas palmas. Apenas parei de procurar respostas para as suas perguntas. De uns tempos pra cá, o jeito foi transformar os pontos de interrogação em pontos finais. Você deve ter guardado o porta-retrato que te dei. Nós dois, sorrindo. Numa dessas gavetas sujas que você nunca abriu pra mim. Ou deve ter pisado em cima até os cacos sumirem. Na verdade, esse é o tipo de coisa que eu faria. Sempre fui mais radical. Você e seu maldito medo de jogar as coisas fora fazendo as pessoas acreditarem que jogaram. Justo eu que sempre quis guardar tudo. Que ironia, virei mais uma coisa da sua vida cheia de coisas que não são ela. Você abriu mão de tudo por alguém que não chora muito, mas também não te olha com meus olhos encantados e não te chama de vil nas horas vagas.  É que eu tenho certeza que você pesquisa as palavras que perguntava pra mim. Ou talvez tenha perdido o interesse por elas. Minha priminha parou de perguntar de você. É que eu disse pra ela que você tinha me feito chorar. Todo mundo te esqueceu. Eu só não sei onde você foi parar porque nunca mais te vi. Não canto mais a música que era nossa, mas ela tocou tantas vezes que parou de doer. O problema é que você tinha mais apreço pelo que sentia por mim do que por mim mesmo. Eu poderia ir aí à sua casa gritar, eu poderia ir pra rua gritar, eu poderia gritar daqui, poderia desopilar todos os cantos da minha garganta. É só que aprendi que nenhum grito teria a intensidade suficiente pra você ver o que aconteceu. Meu anjinho me levou pra voar a 100 mil metros do chão e fez questão de me jogar lá de cima. Do que valeu tudo então? Não foi nem o tombo grande, foi o fato de você ter jogado que doeu mais. Cada palavra vomitada foi um prego no meu coração. Já retirei todos e as marcas continuam lá. Imatura, covarde, hipócrita. Martelando, cuspindo, sangrando, escorrendo. Um som que nunca para de latejar. Ironia ser chamada de covarde sendo que retirei coragem de onde já nem tinha pra te defender dos  que não entendiam o meu amor. Me lancei na sua frente e recebi um tiro pelas costas. Imatura e hipócrita sendo que aceitei calada a maior hipocrisia que já vi acontecer diante dos meus olhos. Pra você era mais fácil me deixar errar do que tentar consertar as coisas. Você e esse seu sorriso que eu achava lindo, mas que hoje me parece oco. Coragem deve ser deixar sem resposta por vários dias alguém que sempre procurou palavras pra te explicar. Alguém sofrendo com manchas cada vez mais escuras por cima da carne. Com manchas cada vez mais escuras embaixo dos olhos. A sinceridade que te dei merecia um fim mais digno. Você deixou que eu pisasse em falso enquanto andava livremente. E depois fingiu a queda pra que todo mundo sentisse pena de você. Eu já estava no chão mesmo. Nunca precisei derrubar você pra ser alguém melhor. Já me bastava o peso da minha própria dor. E olha que, dessa vez, eu tinha muita coisa pra dizer. Depois de um tempo o covarde foi você, e somente você. Que me deu a capacidade de sonhar, mas pisou com brutalidade em cada um dos meus sonhos (o que acabou me dando mais força pra ir atrás deles). Isso é só pra dizer obrigada, mesmo que você tenha ido pra um lugar muito distante e nunca seja capaz de ler. É que depois desses meses todos você já deveria saber que eu nunca vou deixar de escrever sobre qualquer coisa que me marque da cabeça aos pés. Você querendo ou não, eu sou dona das minhas palavras. Principalmente das que calei. Você sempre será escravo das que  pronunciou. Obrigada por ter chegado, e principalmente, por ter partido. Hoje sim te chamo de vil. Mas você só vai descobrir o que significa no dia que conhecer alguém assim.

(Escrito em setembro)



OBS: “Outro dia uma amiga me perguntou o que você tinha me ensinado.  A gente estava conversando sobre os legados que as pessoas deixam em nossas vidas e ela quis saber qual tinha sido o seu. E você? Que raios você me ensinou? Fiquei sem saber na hora, fiquei sem saber o que responder pra ela. Mas hoje, posso dizer que foi você quem me ensinou a lição mais importante da minha vida: você me ensinou a sofrer. É claro que eu sofri na escola, quando para alguém me enxergar eu tinha de promover bizarrices. Mas eu era muito nova para me separar das bizarrices e acabava também chamando a minha atenção: será que eu sou bizarra? Depois, em casa, quando eu dobrava direitinho o uniforme para o dia seguinte e me sentia um papel de parede bege que ninguém entende pra que serve, eu pensava: um dia um príncipe vai me levar pra longe dessa falta de vida, dessa falta de beleza, dessa falta de compreensão, dessa falta de cor, dessa falta de sei lá o que porque eu era novinha demais pra saber o que faltava. Esperar o raio do príncipe sempre disfarçou minha dor, sempre me refugiou dela. Mas quando você me mandou seguir meu caminho sozinha, fiquei sem saber como fugir da dor. Você era meu príncipe. Depois de tantos amores estranhos, pequenos, errados e tortos, finalmente eu tinha reconhecido, no seu olhar centralizado e no seu sorriso espalhado, o meu príncipe.  Sofri pra caralho, como diz por aí quem sofre pra caralho. Mais do que músicas bacanas, frases inteligentes e lugares descolados, você me ensinou o que realmente importa aprender na vida: que ela pode ser uma grande, imensa, gigantesca merda. E que não existe porra de príncipe porra nenhuma. Que nem ninguém nem nada pode te levar para longe de nada. É isso e pronto. E é assim pra todo mundo. E pronto. Qual o drama? Essa dor trouxe vasos jogados, bitucas eternas de cigarro em longas discussões pesadas, tardes perdidas em odiar o mundo, cabeças viradas, corredores frios, papéis de parede beges e grupinhos festivos e fechados. Mas agora já passa da meia-noite, e pra te falar a verdade, eu já não sofro mais o nosso fim faz tempo. E, pra te falar ainda mais a verdade, eu acho mesmo que você foi o príncipe que eu esperei a vida inteira. Você chegou e me levou embora. Levou embora a menina que tinha medo de sentir a vida e esperava uma salvação para tudo. Quem sobrou é essa desconhecida que se conhece muito bem em suas bizarrices, substitui o bege pela cor do verão, tem uns pais gente boa ainda que malucos, adora os poucos e estranhos amigos, não espera mais pelo cavalo branco, mas talvez esteja pronta pra amar de verdade. Amar um homem, e não um príncipe.” Tati Bernardi

Nenhum comentário:

Postar um comentário