sábado, 13 de julho de 2013

Louca e covarde


Tenho nojo de mundo meio inteiro, metade vazio igualmente. Tenho nojo quando passo pelas ruas e elas fedendo e gente brega. Meu Deus, como eu odeio gente brega. Tenho horror a todo mundo que passa por mim porque ninguém pode me tocar. Eles não sabem disso, o que me deixa com mais raiva ainda. E todo mundo rindo das coisas gigantescas e eu rindo aqui feliz com as minhas coisinhas. Nada é real pra mim e as pessoas não existem também, mas eu sinto tudo tão grande e brilhante ou então muito pequeno e cinza e isso é como a tortura generalizada daqueles que não podem enxergar ou ouvir. Isso é como o meu medo dos sonhos por pensar que talvez eu já esteja morrendo e ninguém pode me tirar dali. Prefiro uma noite sem sonhos, mas como viver sem sonhos? Sinto o mundo quase sempre meio morto, meio inútil, chato, ninguém tem nada a dizer, e gente brega andando na rua. E as ruas fedendo e eu com vontade de sair correndo pra um lugar que não existe. E eu querendo me invadir e não fazendo a menor ideia de como chegar dentro de mim. Vida louca vida. Eu dentro do ônibus e o mendigo ali embaixo do viaduto esfregando um pauzinho pra fazer fogo. Eu querendo comprar um fone e o moço da loja reclamando no telefone que estava triste com alguém. E ele me atendeu como as máquinas que são programadas pra dizer. E isso é como o meu medo de viver sem sonhos e meu desejo de viver sem eles. Eu vivo em um mundo só meu e ainda assim todo mundo pisa nele e faz dele o que quiser. O mundo que todos vivem é também o meu mundo, mas mesmo assim o mundo deles não é o meu. Esse mundo das pessoas que pra mim são de outro planeta porque elas são cegas e surdas e mudas e tudo o mais pro mundo que existe dentro de mim e não pra mim que existo dentro do mundo.  Vida louca vida. Eu acordando cedo e um japonês lá do outro lado do mundo indo dormir. É uma vida muito curta pra eu ver todas as pessoas, sentir todos os cheiros, os gostos. É um mundo grande demais pra eu sentir com a palma da minha mão e ir a todos os lugares e conhecer todas as pessoas. É um mundo tão grande que eu deixo o sol vir e fico olhando pro moço tentando fazer fogo embaixo do viaduto. E penso no homem dizendo que estava triste e me atendendo como se eu fosse mais uma daquelas pessoas que não existem e que nunca vão entender. É um mundo só pra tanta gente no mundo. É um mundo só pra tantos mundos. É um mundo tão grande e ao mesmo tempo tão pequeno pro meu mundo. Eu me sinto um gigante em forma de miniatura e as pessoas não sabem que não podem encostar em mim. É um mundo tão grande e eu aqui deitada vendo  um filme com a minha mãe. Tanta coisa acontecendo e eu sem conseguir agarrar um instante. Faltou inventarem um controle remoto de pause e replay. Maldito replay que não inventaram. É tudo muito breve pra raciocinar. É tudo lento demais pra acompanhar meu ritmo meio surtado. Mas tudo que não se expressa pra mim não existe. E daí o meu medo de sonhos e das coisas que existem. E os meus olhos imensos pra todas as pessoas e os meus olhos minúsculos pro mundo inteiro e tão real e tão vazio como eles.  E eu sempre querendo fazer alguma coisa e sentada nessa cadeira escrevendo e querendo saber o que o japonês da rua tal lá de Tóquio tá fazendo agora.  E eu deitada na minha cama chorando porque a gente nunca chega a conhecer ninguém direito, e eu me lamentando e odiando todos porque o amor nunca é suficiente, porque todos nossos esforços são vãos quando tem um mundo imenso lá fora. Um mundo imenso aqui dentro. Como já dizia alguém que inventei no meu cérebro mas que apesar de tudo amei muito, eu me acovardo. Sim, mundo, eu sou covarde. Mas eu prefiro ser covarde e existir. Eu prefiro ser covarde e ter dois olhos bem abertos. Eu sou covarde pra todo mundo que não suporta ler o que alguém de verdade sente. Eu sou covarde porque nesse mundo de medrosos as pessoas são tão práticas e corretas e sensatas e tão insuportavelmente chatas e eu não sou uma máquina. Eu prefiro ser covarde e louca e continuar tendo medo dos meus sonhos do que ser alguém que tem medo dos dois pés no chão. Eu prefiro ser a louca que agora mesmo não tem mais nojo do mundo e das pessoas e acha essa gente brega toda até um pouco bonitinha. Vida louca vida. Tudo é só engraçado ou triste. A beleza não existe pra mim porque ela faz parte dos sonhos e isso pra mim é como meu medo eterno de não conseguir admitir pro mundo a minha ambiguidade, a minha contradição. A minha covardia. Meu amor, eu prefiro ser covarde. Mas sou menos covarde do que alguém que diz que eu sou covarde. Sou covarde porque não sei entender o mundo, porque é meu medo dos sonhos, meu medo de viver e estar sonhando e enquanto durmo estar vivendo. É tudo estranho, engraçado, triste, é uma contradição. É covardia a gente não saber. É covardia não entender. É covardia nos doar e receber de volta que somos covardes. Eu prefiro ser louca e covarde do que não ser nada. Eu prefiro ser tudo isso que todo mundo diz que eu sou do que ser como os cegos ou surdos por opção. Eu prefiro achar as pessoas bregas e sentir carinho pelo homem que me vendeu o fone estragado, eu prefiro odiar o mundo todo e mesmo assim passar tanto tempo olhando pro mendigo tentando acender o foguinho. E é por isso que só os covardes podem me amar. Dos bons, corretos, sensatos, eu ando tentando passar longe. O mundo é imenso, a vida é louca e às vezes tudo muito sem-graça pra eu ficar me preocupando com o que era certo fazer, ter feito. O mundo é muito grande pra eu aceitar uma culpa que nem existe e muito pequeno pra eu suar frio tentando caber nele. Existe mesmo isso de certo? Existe resolver as coisas? As coisas já falam por si mesmas. Eu prefiro ser louca e covarde. Eu prefiro.

"O amor no planeta das canetas Bic que somem. O amor mais um como se pudesse ser mais um. O que você fez com ele para eu nunca fazer igual? Eu prefiro ser quem te espera na porta pra entender. Eu prefiro ser quem te espera na outra linha pra entender. Eu prefiro ser a louca do jardim enquanto o mundo ri e faz suas coisas. Do que ser quem se tranca nessas salas infinitas suas pra nunca entender ou fazer que não sente ou não poder sentir ou ser sem tempo de sentir ou ser esquecido e finalmente não ser." Tati

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