segunda-feira, 15 de abril de 2013

Vivendo o caos- manicômio da mente (Prólogo)

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Entrou novamente naquela sala tão conhecida do psiquiatra. Estava em dúvida se eram os anos de terapia ou se ele realmente havia ficado mais feio. A barba mal feita impregnava seu rosto de uma sujeira tamanha que a vontade do paciente era rasgar-lhe a face para descobrir o que havia além daquela máscara. Não voltara àquele consultório por desespero, como muitos podem imaginar, que a verdade seja dita agora, ele queria vingança. Ou respostas. Mas a desculpa mesmo que tinha trazido era o fato da receita de seus remédios para dormir terem vencido. O que ele não sabia é que deveria convencer aquele velho da sua lucidez para que ele próprio não saísse vencido daquela sala. Durante anos, para Ricardo, aquele lugar parecia mais um purgatório, o velho era o diabo, um juiz, mas no final das contas os dois são os mesmos, ou os três, porque o paciente (assim devemos chamá-lo?) gostava de se incluir nas coisas.
-Bom dia, Ricardo, faz tempo não lhe vejo! Pausa. Silêncio. Pena que tenha voltado, mas pelo visto obteve grandes progressos!
Aquela voz entrecortada por vírgulas e suspiros falsos o faziam querer enfiar um dedo na garganta, a mão inteira, aliás, vomitar ali em cima daquele divã imundo, falso branco vagabundo, maldito cheiro de álcool impregnado nas paredes, nas vias áreas, no sangue, maldito sangue latejando nas veias descompassado, ouvidos surdos da maldição daquele bom dia vomitado, como pedras que se jogam esperando que brotem flores.
-Progressos? Hahahahahahahaha. Subitamente ficou descontrolado, curvando-se de tanto rir, balançava a cabeça, frenético com aquela sensação prazerosa de desdém que fazia da cara do psiquiatra. Doutor, nessa vida a gente só anda pra trás, disse-lhe, pausando o êxtase que sentira cinco segundos antes, e também porque seu rosto estava queimando e uma fúria começava a subir-lhe pelos ombros, pelos ossos, como um choque elétrico.
-Acalme-se, Ricardo, só o que não tem jeito na vida é a morte.-e naquele momento pegou a caneta e começara a fazer suas habituais anotações em um caderno mofado, guardado na primeira gaveta.
Que ódio sentiu daquele caderno, nojo daquela caneta e de tais mãos imundas. Quis cuspir, quis cuspir em tudo, olhou pela minúscula janela do consultório que também lhe dava arrepios, mas não havia nada, não havia nada, era um dia meio tanto faz, tanto fez, o sol não apareceu e tampouco estava chovendo, não havia nada ali, nem aqui, refletiu, não existe nada aqui também.
Lembrou-se. Como um choque. Um choque. Finalmente a lembrança que viera vasculhando o cérebro durante dois anos, dois anos inteiros, havia surgido do nada em sua pele, desabrochando-se como uma flor, uma flor negra, e agora tudo estava tão claro que era como se a resposta estivesse sempre ali. O rosto ficou inexpressivo:
-Foi você.- disse lenta e pausadamente.
-Eu o quê?
-Você que me mandou...-não sabia prosseguir. Então respirou e cuspiu as palavras ao mesmo tempo que levantara-se de um salto e apontara-lhe o dedo:
-Você me mandou para aquele manicômio! Aquele maldito inferno! Verme! Cretino! Como pôde? Os choques, os malditos choques elétricos, antes tivesse me enviado a morrer! Desgraçado!
Àquela altura, todos ao lado de fora da sala já tinham ouvido os gritos, não havia dúvidas de que ele havia enlouquecido mais uma vez, e logo todos os funcionários vieram a socorro do médico.
-Está precisando de ajuda aí, doutor?
-Não, está tudo sob controle, pode se retirar- disse à enfermeira, mas sem despregar os olhos de seu caderno. O fato de encontrar-se indiferente a tais gritos fez com que Ricardo ficasse ainda mais furioso.
-Fale comigo! Olhe pra mim, infeliz!- continuou sem olhá-lo.
Virou a mesa do psiquiatra, então, e fez-se um grunhido ensurdecedor, mas calou-se. No espelho atrás da mesa dava pra ver como seus olhos estavam vermelho sangue de raiva. Estava indignado, queria quebrar as vértebras do médico até que implorasse por socorro, mas parou por questões óbvias, ou nem tão óbvias assim, um espelho era a maior tentativa de lucidez criada pela humanidade, e o desgraçado daquele psiquiatra havia o colocado ali, bem no meio da sua cara. O objetivo daquele aparato, porém, foi de contramão ao que se esperava. Ricardo perguntou-se quem era, ali, olhando aquele espelho. Era um truque, uma armadilha, aquele não era ele, é claro que não. Quis ser cego, aquele reflexo não podia ser ele, aquilo era um monstro, não era ele, ele era feliz, estava bem, estava tudo O.K, não é assim que se diz, tudo sob controle? O seu cérebro estava o enganando, estavam lhe tirando sarro, é claro que não era ele, nem era essa sua fisionomia, ou será que era, malditos dois anos naquele manicômio?

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