quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Dentro

Untitled | via Tumblr


Em um dia de verão (não importam as estações, para mim sempre quando está um calor tão grande que nem dormir consigo, é verão). Bom, em uma noite de verão, estava eu deitada no assoalho de madeira da sala, desejando um pouco de frescor. Que não saía das janelas nem de dentro do meu peito, essa velha alma minha que já cansou dos seus constrangimentos. Só um bafo quente, uma estufa, atmosfera que faz o corpo inteiro grudar e eu nem me aguento de tão perto de mim que estou. E de mim não posso sair.
Mas, bem, eis que nessa noite quente estava eu olhando pela janela da sala e vejo um vulto preto. Não, não era espírito, era só- ou muito- a minha cachorrinha olhando fixamente para o portão de casa, esperando a minha irmã chegar para poder dormir em paz. Mesmo grudada no chão e não conseguindo pensar em nada além do fato de que essa quentura me deixa mais preguiçosa e inquieta, eu me deti naquela cena. E senti que O Deus, não o Deus que mora nas nuvens nos céus, mas o Deus do meu Mundo, tinha finalmente me mandado um pouco de frescor, de vitalidade e de juventude. Juventude e vida porque o amor é sempre jovem e sempre vivo, e fresco pois sempre esfria a alma quando o corpo recebe o inferno. E porque sempre, invariavelmente, até a sua morte, a minha cachorrinha ficaria ali, olhando pela janela até a minha irmã voltar. Porque mesmo fechando os olhinhos de tanto sono e de tanto calor, ela ainda espera, e o amor espera, nesses dias de verão e em qualquer outro, um pouco de ar fresco, vivo, ar em movimento.
Porque quando olhei nos olhos pretos e fundos desse serzinho, eu vi meu espírito refletido. Acredito, portanto, ou mesmo sem verossimilhança alguma, que o amor nada mais é do que uma junção de naturezas que se aguardam. A alma nada mais é do que a junção de naturezas distintas, todas postas em um corpo só, em um espírito que em toda a sua egocentricidade se divide. O Deus do meu Mundo nos fez tudo, mas nós nos dividimos para não ter medo de viver o Todo. E se o mundo é essa junção de almas e de naturezas, eu nem sentia mais medo nenhum. Nenhum medo de ser engolida pelo mundo porque ele me guarda. E se ele me guarda, eu não posso morrer porque o tal universo cheio das coisas viraria um universo sem mim, e, portanto, ele não pode me engolir porque já estou dentro dele. O máximo que poderia acontecer era ele me cuspir para fora, mas aí tanto faz porque ele perde um músculo, um fragmento minúsculo mas que poderia distorcê-lo. O mundo é um espírito Maior narcisista, que guarda vários outros espíritos narcisistas, e dentro desse mundo que conhecemos existe um submundo que se chama amor, e o amor  não é o engavetamento das almas como o mundo é, o amor é o aguardo de duas presenças. Quando duas naturezas se unem e festejam juntas o nascimento de uma outra repartição do mundo. É o amor esse aguardo na janela morrendo de sono num puta calor que tira o mundo do lugar. O mundo só se move porque as almas amantes saem do mundo e a ele retornam. O amor é a força movedora, Aristóteles, esse era o Motor Imóvel. Ou o calor finalmente me tirou as rédeas da sanidade mental.

Eu dormi no chão aquela noite, pensando nessas coisas. Quando acordei a minha irmã já tinha chegado, e as duas, ela e a minha cachorra, estavam dormindo. O mundo havia retornado aos seus eixos. E eu não me cansava de olhar.

Um comentário:

  1. sdds ari kaskaksaks vc dorme no chao msm sempre? de resto foi lindo mesmo :)

    ResponderExcluir