sexta-feira, 8 de março de 2013

Epifania das linhas paralelas


Como se um gesto ou uma palavra pudessem mudar toda uma vida. E como se a vida fosse só um instante. Pois então era. A moça, debruçada na janela que dava para um vasto cenário em abstrato, sentiu uma súbita vontade de gritar. Mas era mais como um grito interno, a garganta fechada, a epifania daquela sensação chegava cada vez mais devagar, rondando o lugar, brotando das flores, varrendo o chão. Descolando, talvez, uma parte plural de todo um conjunto que logo corria pra se esvair dela. O grito se transformou em um riso perpétuo. Não irônico, nem obstante, talvez doentio, obscuro, familiar, sozinho ou indiferente, mas nunca a tristeza estampada nos lábios. Essa coisa não existe, da tristeza esboçando um sorriso, é sempre o sorriso esboçando uma tristeza. Mas nem era nada, era só desejo de trocar os discos de notas agudas por um de notas graves. Todos estavam enferrujados, mas aquela música parecia durar para sempre. Aquele riso incontrolável de quem nem sabe o que quer mesmo querendo tanto saber parecia durar uma eternidade, mesmo que o eterno dure só um segundo. O pra sempre é um grito que não chega a ser formado, um desespero no vácuo. A garganta fechada e o coração muito mais, como se um instante pudesse trazer a resposta, e a brisa morna fosse fechar as abas de um esboço muito mal-feito naquela tarde. Havia um outro esboço, alguém do outro lado daquele imenso corredor, como um rabisco, só se enxergava os contornos, nem luz tinha e não era tampouco uma sombra. Havia chegado depois de um instante, após uma vida inteira, e aquela interrogação pairava no ar enquanto vinha andando em sua direção aquela figura. Uma interrogação que deixava solta a mudança paralela ao fracasso e à felicidade, como duas linhas paralelas se encontrando no abismo do infinito. Por si só e por si mesmas.
-Vamos?
-Vamos.

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