quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Todo carnaval tem seu fim



Estava escuro. A fumaça inebriada a impedia de ver algo naquela noite. Cambaleando em meio aos destroços do que parecia uma festa de rua, encontrou um lugar vazio no meio fio e se sentou. Os amigos tinham ido embora, talvez tivessem ido dar uma volta, e ela havia se perdido. Estava sozinha, mais uma vez então, em todos os sentidos que abarcam essa palavra. Solidão. Tão doce e tão cruel como um fim de tarde que vai esmagando a noite com os últimos raios de luz.
Era carnaval e ela não estava feliz. Pelo menos não se sentia assim. Aliás, fazia um bom tempo que não se sentia como nada. Não se sentia porque não sentia. Anestesiada e entorpecida, ela nem estava mais lá. Não se sentia parte de nada, não pertencia a lugar algum, e pela primeira vez em todo esse tempo, aquela garota de cabeça baixa no canto da rua percebeu que não fazia mais sentido querer desaparecer: ela já havia desaparecido. Como toda a fumaça na rua, ela estava em todo lugar, e ao mesmo tempo não estava. Desaparecia pelos ares no mesmo segundo em que era formada.
 Olhou para os lados e se perguntou se alguém poderia vê-la. Alguns pareciam estar olhando, mas o essencial é invisível aos olhos, e logo percebeu que eram todos cegos de alma. Ninguém poderia enxergá-la. Não naquela noite. Estava escuro demais. Seu celular tocava em algum de seus bolsos, mas nem se deu ao trabalho de ver quem era ou pegá-lo para atender.
 O estado de entorpecimento era tanto que a qualquer movimento ela poderia desmoronar e se tornar a poeira da rua. Cada gesto doía demais, mas doía porque não doía, e mesmo assim era necessária força para aquilo. E ela estava esgotada. Quis gritar, mas não se lembrava mais como. Não naquela noite.
Era difícil se focar em algo em meio a tanto barulho, que apesar de tudo, era melhor do que o silêncio. Talvez por isso estivesse ali. O silêncio era insuportável, e mesmo assim corria nas suas veias.
Tudo que conseguia pensar era em voltar para casa. Estava com fome, mal havia comido, havia dias que não se alimentava direito ou andava sóbria. Levantou-se. Mal conseguia respirar em meio à multidão. Os passos eram lentos e imprecisos. Alguém agarrou seu braço, e ao se virar para ver quem era, tinha sido agarrada por um estranho. Ela não conhecia aquele rosto, mas também não tinha força para se livrar daqueles enormes braços. Tais lábios desconhecidos pareciam queimar os seus com tamanha brutalidade, que tudo parecia pegar fogo. Ela estava ardendo em chamas. Quando finalmente foi solta, sentiu uma vontade inexplicável de vomitar. Começou a chorar. Sentiu-se suja da cabeça aos pés. Estava imunda. Mesmo se tomasse dez banhos, jamais seria capaz de se livrar daquela sujeira. Odeio eles, cuspiu. Odeio todos eles.
Ainda precisava caminhar até o ponto de ônibus, cada passo era uma eternidade. E naquela noite, a eternidade tinha um gosto podre.
Acendeu um cigarro e por um segundo teve a impressão de que alguém havia chamado seu nome, porém depois começou a rir consigo mesma. Ninguém podia sequer vê-la, como poderiam chamá-la? Mas o som prosseguia e ao sentir uma presença atrás dela naquele ponto de ônibus praticamente vazio, virou para trás.
Tudo que avistou foi um enorme sorriso e um par de olhos marejados de lágrimas. Não se recordava muito bem daquele rosto, talvez em sonhos antigos, mas aquele sorriso.Jamais poderia esquecê-lo. Ouviu a pessoa comentar:
-Você não parece feliz.
Quis perguntar se alguma vez já havia parecido, quis pronunciar o seu nome, mas não se lembrava. Quis dizer algo, mas não conseguiu. Então apenas olhou com carinho e deu um sorriso, mas quando se deu ao tempo de piscar, as sombras haviam envolvido aquela figura. Não havia ninguém lá. Ela estava sozinha. Ao subir para o ônibus, tudo ficou preto. Nada era real. Não naquela noite. Não mais.

Nota: pra você, Jú, espírito livre, que me faz sentir menos sozinha nesse mundo.

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