terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Belo desastre

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Levantou da cama naquela manhã completamente cinza. Abrindo as persianas lentamente, viu os primeiros feixes de luz do dia preencherem o quarto. Vestiu as roupas impregnadas sabe-se lá do quê, calçou as botas, bebeu o café matinal e foi dar uma volta. Ele ainda não havia chegado. Já eram quase 6 horas da manhã. E nada. Nem um sinal, um barulho. Ficou a noite inteira tentando ouvir qualquer coisa. As chaves girando, o som do carro estacionando na garagem. Parecia insônia, mas era só ansiedade. Onde ele estava? Já faziam dias. Tinha prometido voltar. Nem um segundo. Não tinha conseguido dormir um segundo. E não andava sóbria fazia um bom tempo. Tinha prometido. Ele tinha prometido. As ruas ainda estavam vazias, não se ouvia nada. A não ser o vento levando algumas folhas das árvores. O que estava fazendo com sua vida? Aquela mulher pensou, ali no meio de tudo que mal se movia. O casaco em seus ombros parecia pesar uns quinhentos quilos, e ela mal levantava o olhar pros primeiros que começavam a sair de suas casas. Mais um dia, pensou. Mais um dia interminável. Há cerca de quase um ano, tudo tinha cor, ela deslizava pelas ruas, pelo mundo, vivia no balanço ao fundo da casa. Hoje ele está largado ao canto, meio morto e esquecido, como quase todas as coisas desde que ele tinha ido embora. Ele tinha prometido voltar. Ligou há uma semana e finalmente algum som dentro daquela casa que parecia mais imune à prova de inquietude. Era um som. Esperança? Talvez. Pensou no tempo e era tempo demais. Já fazia uma semana. Uma semana esperando. Aliás, um ano. Um ano esperando uma ligação. A voz não era a mesma, mas era melhor do que nada. O silêncio incomoda, mas o vazio muito mais. Ficou na calçada esperando. Quem sabe ele não viria hoje? A manhã passou num piscar de olhos e logo já era meio-dia. Ia  virar-se para retornar até a casa quando escutou os pneus do carro sob as folhas do outuno. Finalmente, pensou. Mas que diabos estava acontecendo que ela não conseguia nem levantar dali? Não tinha mais forças, ou não queria. Então era assim que as pessoas se sentiam depois daquele tempo? O homem olhou em pé na rua para aquela figura, e por um segundo hesitou. Talvez fosse melhor não ter ido. Mas respirou fundo.

-Você não vai levantar daí? –disse, ajudando-a a levantar com o apoio de uma mão.
-Obrigada–e nenhuma expressão em seu rosto. Só sombras.
-Podemos entrar?
-Claro, só não repare na bagunça.

A casa estava um caos. Vasos e mesas viradas, como se um redemoinho tivesse passado por ali. Sentaram-se em um sofá a um canto.

-Por onde você esteve? –teve que arranhar a garganta antes de dizer, tamanha era a falta de uso de suas palavras.
-Viajando. Espairecendo. Trabalhando.
-Por que você não ligou? –havia lágrimas em seus olhos.
-Eu quis te dar um tempo para... reconstruir a sua vida. Mas pelo visto não foi isso que aconteceu.
-Você não podia ter me deixado sozinha em uma fase tão difícil! Como foi capaz? –disse quase gritando, se levantando, e logo começou a andar de um lado para o outro na minúscula sala de estar.
-Maria, senta! Vim aqui perguntar como estão as coisas, mas não sei se mereço resposta.
-Quer saber como estão as coisas? Pois bem, as coisas estão uma merda! Eu perdi o nosso filho e você foi capaz de me deixar com a desculpa de que precisava respirar. Respirar? (disse em meio aos soluços e punhos erguidos) Eu quem precisava respirar, e não consegui nada, só esse ar podre, essa casa imunda que me lembra você.  Era pra você ter permanecido ao meu lado, e a primeira coisa que você fez foi sumir. Tá vendo isso aqui? (e apontou pro lixo). Sou eu, sou eu! E começou a rir. (Cristo, ela finalmente tinha enlouquecido.)
-Maria eu entendo, me perdoe, nunca pensei que encontraria você aqui fedendo a álcool e a cigarro, eu só achei que precisávamos de um tempo, e pensei em voltar, mas não sei se é isso que você quer.
-Você também está fedendo a cigarro e a bebida. Aliás, está fedendo a prostitutas também. É isso, você está aí, cheio de putas, e eu me perguntando por onde você anda!
-Eu não deveria ter voltado, querida, eu sinto muito.
-Você não deveria ter ido embora!
-Mas você era feliz quando estávamos juntos, não era?
-Sim, eu era.
-Tente ser feliz de novo. Por mim.
-E você, era feliz?
-Era.
-Não era merda nenhuma! Se você fosse feliz não tinha me largado.
-E naquele dia, hein? Que você recebeu a notícia que estava grávida, eu cheguei com um balão em formato de coração e eu nunca vi seus olhos brilharem tanto. Você acha que eu não era feliz? Claro que eu era feliz, mas você se perdeu de mim.
-Não, a gente se perdeu um do outro.
Ela deu meia volta e acendeu um cigarro.
-O que você vai fazer,  Maria? Digo, de agora em diante.
-Ah sei lá, me trancar aqui. Fumar e beber até morrer. E riu. Aquele sorriso de lado com o cigarro entre os dentes. Era a deixa pra ele correr.
-Estou falando sério! Mas já não sabia mais quem estava falando sério. Onde estava a verdade, meu Deus, quando se precisava dela? Onde estão as verdades, se é que as verdades existem?
-Ah, e o que você quer que eu diga. Sei lá, trabalhar, viajar, espairecer? Rá. Espairecer. É, eu vou fazer isso.
-Maria, olha nos meus olhos!

Olhou. E ele não viu nada. Um imenso lago flutuante no qual não era mais capaz de nadar. Dava tristeza de olhar, era um eco que ressoava em todos os lugares. Será que eu ainda estou vivendo, afinal, Maria, será que eu posso ir embora agora? As palavras gritavam em seus ouvidos, mas ele jamais seria capaz de pronunciá-las.

-Vá embora! Ela gritou.
-Eu te amo, querida. Olhe pra mim. Eu amo você.
Ele não saía, então ela bateu a porta na frente dele e saiu correndo.
-Eu te odeio!

Mas ele não conseguia mais ouvi-la. Saiu correndo e tropeçando nos próprios pés. Não sabia para onde iria, provavelmente voltaria, mas se ele ainda estaria lá, era um mistério. Saiu correndo. Correndo. Antes de desmaiar no meio da rua, tamanha era a falta de sono, o álcool e cigarro. Mas o que mais pesava era a lucidez. O amor se esgota, pensou.

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