domingo, 16 de dezembro de 2012

Pedrinha



Eu não sei que horas são, mas os relógios grandes aqui de casa vivem querendo me informar. Eu odeio esses relógios porque parece que ficam contando todos os minutos da minha vida. Mais tantos segundos pra você viver. Mais uns anos pra você morrer. E aquelas badaladas esquisitas que me dão vontade de quebrar tudo e de ir embora porque o tempo não importa mais. Tem um céu. Um céu muito grande, longe de todo aquele tempo e aquelas horas e minutos e segundos e badaladas e gritos e contagem regressiva.  Aliás, quanto tempo será que falta pra viver? Aí tem umas pedrinhas do meu lado e um céu muito imenso pra mim. Tem uma piscina do meu lado, mas acho que eu vou me afogar mesmo são nessas nuvens vermelhas. Muita nuvem vermelha aqui. Nunca fui boa pra contar estrelas, mas vou começar a contar as nuvens. Uma, duas, três, quatro. Peraí, aquela ali mistura com uma, que mistura com a outra, que some de um lado perto da lua. E tem sangue pra todo lado, porque eu quebrei os relógios e tá todo mundo sangrando nessa casa.  E de repente não tem mais nenhuma nuvem, porque elas desceram e tem sangue pra todo lado. Começa a chover e eu posso chorar. Espera, não dá nem pra chorar mais. Cadê a água? Tinha água aqui. Sei não, mas agora virou dia. E tem várias pedrinhas do meu lado, e eu fico pensando por que eu não posso ser uma pedrinha. Eu me acho tão grande, mas quando eu olho pro céu eu sou uma formiga. Imagina uma pedrinha. Uma pedrinha perto do céu: nada. Um monte de nada. Por que eu não posso ser nada? Acho que nada é demais pra mim e eu não sobrevivo mais com essas badaladas dos relógios que morreram até alguém enterrar eles dentro de mim. Tem umas luzinhas de natal que eu odeio que ficam piscando na sala. Eu odeio tantas luzes, isso confunde meus olhos. Uma pedrinha. Pra quê olhos? Uma pedrinha não tem olhos. Eu arranho um coração no chão com a pedrinha. Eu vou arrancar o meu coração e mostrar pra todo mundo que eu tenho um, que ele tá aqui, ele tá batendo, mas alguém tira isso de mim porque agora parece que eu não tenho mais, e justamente porque parece que eu não tenho que tá doendo tanto o vazio de não ter nada. Uma pedrinha. Eu sou uma pedra e não tenho coração. Eu virei pedra no meio de pedras que são geladas. Mas ainda tem nuvem com cor de sangue. E ninguém sabe, porque esse é meu pedaço do mundo que ninguém vê, porque são todos pedras. E pedras não têm olhos. Aí eu posso conversar com as pedrinhas desde que elas não me achem grande demais pra esmagar elas, porque elas são pequeninhas,  mas são duras. Você olha e pensa: “ah, só uma pedrinha”. Mas é forte, plena, pequena e discreta. Vai tacar uma pedrinha no olho de um, vai. Acho que sou uma pedrinha. E o meu coração? Ah, meu coração ficou ali no meio das nuvens. Só que elas foram embora e agora tô sentindo um vazio enorme. É claro que pedra não tem que ter coração, mas é que ele bate ritmado como os relógios aqui de casa, e agora eu tô ficando surda. Mas pedra tem ouvido? Ah, sei lá. Deito no chão da cozinha que é gelado como pedra e me pergunto quando será que isso tudo vai acabar. E eu me sinto quentinha com o frio porque eu cansei de esperar amor dos outros, e agora eu vou ficar por aqui, fugindo e indo embora, pro chão da cozinha. Porque ele não fala e eu só quero alguém que me escute. A gente escuta tanto o que não quer, sente tanto o que não quer,  que depois de ficar com o coração na mão tantas vezes, acaba entregando ele pras nuvens de sangue. E os outros esperam tanto de mim pra brilhar como estrela e eu sou só uma pedrinha. Nem adianta jogar pedra. Nem dói mais. Nem dói menos. Não dói mais. Não sinto mais nada. Eu sou só uma pedrinha querendo ver o céu. Mas voar dói demais e eu vou ficar mais uns minutos deitada no chão da cozinha. 5, 10, 15, 20 minutos. Os relógios ficam fazendo barulho e eu não sei quanto tempo se passou. Eu perdi os meus ouvidos. Os sentidos. Eu não enlouqueci. Eu sou só uma pedrinha. E eu fico nervosa demais por ser pedra que acabo esquecendo as vírgulas e coloco ponto final demais em tudo porque pedra não sente mas sabe machucar quem tentou esmagar uma com as próprias mãos. Já é dia agora.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Teto



Olho pro teto e olho de novo. Tem um ventilador ligado e uma moldura engraçadinha que fecha toda a paz de espírito nesse quarto e me deixa com falta de ar e fobia de ficar aqui. Eu tenho fobia de estar muito tempo perto de mim e de me engolir. Tenho medo da musiquinha que toca porque é mais uma daquelas histórias que eu não posso mais contar. Porque dizer alguma coisa nunca mais vai ser como dizer alguma coisa. Eu deslizava por aí e arrancaram meus pés. Agora eu tô olhando pro teto e tem 3 livros perto de mim, mas eu não pego nenhum porque dizer é muito mais do que assimilar. Assimilar é acumular. E eu não aguento assimilar ou dizer mais nada porque parece que tem um peso de 10 cérebros esmagando o meu crânio e mesmo assim eu não consigo raciocinar direito. O meu único medo é acabar velhinha naquelas clínicas pra gente louca, jogando baralho. E eu não entendo esse negócio de vida toda. Pra toda vida, vida toda. Mas a eternidade não dura nem um segundo, o que é essa coisa de pra vida toda? Eu tento e tento e tendo e tendo, e tendo mais nada, só mais uma tendência de não querer conseguir mais nada. Sei lá, chega de vencer. Pra vida toda. O que que é isso?  Sei lá. Acho que vai abrir um buraco dentro do meu travesseiro e eu vou morar lá dentro, porque vai chover agora mesmo sem chover. E vai fazer um puta de um sol, mesmo sendo noite. Porque nada é impossível dentro do meu buraco no travesseiro. E eu escrevo sem pensar direito no que eu tô escrevendo, porque o que a gente sente é muito mais do que a gente pensa que é. Eu sou o clichê ao contrário, a extraterrestre que subiu na neve de um ser humano fantasiando ser normal. Eu sou as frestas da porta que sobraram pra respirar e mais um espacinho entre as molduras do teto. Eu sou 3 livros e 4 horas da manhã e mais nada pra dizer. Eu sou aquela felicidade de olhar pra você e sentir que nada no mundo pode me acontecer porque na verdade o mundo todo acontece o tempo todo. Eu sou a tristeza de sorrir com os braços quando os meus ficam em volta dos de alguém porque não sobrou espaço pra mais nada. Eu sou o sentimento puro e a extremista mais extrema e recordista das maratonas dos últimos tempos. Eu sou a liberdade querendo um pouco de prisão e fobia porque o ar fresco também cansa e sufoca. Eu sou aquela última palavra que você deu pra mim naquela noite mesmo sem dizer nada e tapou os meus olhos, porque na verdade você queria me entender, só que não queria me olhar. Porque vai ver eu sou um mistério e não uma pessoa. Eu sou só mais um monte de coisa cheia de coisas que não sou. Eu sou o sentimento bom que ficou sobrando de um sentimento ruim. Eu sou mais um daqueles carros sem freio que tem sempre alguém tentando parar e dizer que ultrapassou o sinal. Eu sou sempre o quebra-cabeça de mil e uma peças que as pessoas ficam tentando montar e desistem porque tem sempre a última peça que eu guardo dentro de mim em silêncio pra ninguém descobrir. E eu tô cansada de sentir porque esse sentimento de olhar pro teto sem sentimento é o maior sentimento de todos e não deixa espaço nem pro vazio.


sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Gotas de silêncio


Ando devagar, sem precisão. Sinto que aos poucos meus pés vão embolar e voar junto com as aves que eu ainda consigo ouvir o canto, apesar de bem distante agora. Algumas gotas da chuva caem em mim, mas elas relutam em ultrapassar a minha proteção invisível. Eu não ligo mais, me tornei impermeável. Estou brilhante e colorida, mas no fundo a chama se esvai com o vento. Não há lugar para correr. E eu nem me importo mais. Faz frio, mas sempre fez frio. Chove e venta. Batem as portas. As janelas. Eu ouço sombriamente o som das forças que querem calar a noite. As minhas palavras não tem mais força porque eu não sei gritar alto o suficiente para calar o silêncio. E eu quero ouvi-lo. Eu digo e digo e digo e digo. Mais uma vez. Rojões de palavras. Dessa vez não sai nada. Impotente. Frustrada. Sensação de que estou falando russo para alguém que só entende chinês. Vontade de sair correndo pra casa. Mas eu quero outra casa. Quero morar com os pássaros. Eu quero deitar e olhar pra onde eu quiser, sem hora pra ir embora. Não é nenhuma novidade a minha vontade de ficar sozinha, mas dessa vez isso superou toda a minha racionalidade. As pessoas separam razão do coração, mas isso não existe. O coração também diz. O coração tem razão. Se você quer muito estar com alguém, mas está cansado de sofrer, e vai embora por esse motivo: aí está o coração. Ele mora nos nossos impulsos e reflexos inexplicáveis. O que a gente diz ou não diz. Aquilo que a gente diz sem dizer. Aquilo que a gente faz sem querer. Aquilo que a gente quer sem fazer. O coração tem razões que a própria razão desconhece. A razão tem coração que o próprio coração desconhece. Pessoas medíocres inventaram, sabe-se Deus lá de onde, essa inútil divisão. Por que? Por que? Por que? Faz tempos que eu me me pergunto os motivos de tudo. Igual uma criança pequena mesmo."Mãe, por que o céu é azul?. Só que eles não existem, é tudo ilusão, fruto da nossa mente. As coisas são o que elas são. Meu maior problema é querer entender. Eu sempre aceito, mas não entendo. Eu só não aceito quando eu não entendo. Eu sou complicada, mas eu não complico as coisas. As pessoas que não param pra pensar com o coração. Só se vê bem com o coração? Pois eu ainda acrescento: só se pensa bem com o coração. Ou não. Por que é que a gente pensa? De novo eu com meus porquês. Eu quero alguém que me dê respostas, mas você não as tem. Eu também não as tenho. Não me olhe com esses olhos. Não me peça pra olhar pra você. Eu não tenho força nas minhas palavras mais, eu não tenho força nos meus pés, mas eu tenho força nos olhos. Tanta coisa vista, e dessa vez eu vejo você dar meia volta e se tornar um incrível besta disfarçado de bom moço. Desconstrução. Estou cansada de desconstruir ideias. Eu mudo e me pergunto por que. Eu vou embora e me pergunto por que. Eu não sei. Existe algo em mim que me fala qual a decisão que eu tenho que tomar. E não é que eu tenha certeza do que digo: eu apenas quero ter certeza. Quero fingir que encontrei as respostas, porque na verdade, eu sei que as respostas não existem. E eu vou correr atrás delas, mesmo sabendo que vou acabar encontrando mais perguntas. Por que? Mais uma vez, não sei. Eu só vejo e observo. Observando a gente esquece de quem a gente é. A gente só é mais alguém num emaranhado de rostos que não possuem foco ou sentido. Observando a gente aprende que somos menos do que somos. Eu me sufoquei com as coisas que não consegui dizer. Eu me sufoco com as coisas que eu digo que só se tornaram mais uma de minhas estranhas observações. Eu sou diferente. Deve ser isso, eu aceito que existe muito de mim em apenas uma pessoa. Eu tento deixar pedaços meus por aí, mas eles sempre encontram o caminho de volta. E eu não entendo. É o caminho das perguntas, eu disse. Só que dessa vez eu quero silêncio. O silêncio de quem está perplexo na sua perplexidade. Um minuto de silêncio pra mim. Eu mereço silêncio para ouvi-lo.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Sombras



2:18. Tic-tac. Tic-tac.
Um lápis, um papel, um trabalho
Tudo funciona melhor nesse horário
Só não me faça pegar um café e lhe assistir
Eu jamais poderia prosseguir
Porque dentre todas essas granadas
Ainda prefiro as minhas mil palavras.

Esses absurdos envoltos na madrugada
Não são nada
Não são nada
Comparados ao tremendo desassosego
que eu perdi debaixo do meu travesseiro
2:22. Tic tac. Tic tac.
E ainda parecemos máquinas

Se vocêr quer saber de algo, vou lhe dizer
Nossas sombras funcionam melhor no escuro
E no silêncio: é aí que elas moram
A casa que elas habitam não é nada menos, nada mais
Do que a total retirada da minha paz
Pois é na falta de som, na falta de luz,
Que somos o que somos, sem véus ou capas
Sem dilemas ou muralhas

No inverso das sombras também mora a luz
Não somos pedaços, fragmentos
Somos um resultado
O que construímos, demolimos ou assistimos
É na calada da noite que as palavras ecoam nas paredes
Os gritos retinam e ressoam, mas ninguém pode ouvi-los

A luz mora nos impiedosos lares
Nos equívocos de todos os dias
Afinal, o escuro só existe no brilho
Se a luz é um conjunto das sombras
Para brilhar é preciso florescer
O escuro não pode morrer!

2:35.O meu trabalho continua em branco
Mas na minha cabeça moram todos os pensamentos
E todos os sonhos do mundo
Enquanto os minutos passam
Guardo comigo a certeza de que
Todas as palavras do mundo
Ainda são pouco pro que eu quero dizer!


sábado, 4 de fevereiro de 2012

Falta de sorte



Não sei exatamente o quê ou por que, mas você tem aquela coisa que me faz transbordar de tanto sentir, falar e brigar, e sorrir e chorar e deixar de lado, tudo ao mesmo tempo. Você tem alguma coisa. Alguma coisa que me faz parecer que eu gostava do absurdo irônico que é ser idiota. É sim, você tem alguma coisa que me faz querer ser tonta, cega e surda todos os dias. Aliás, até porque ver seu olhar abismado cheio de mistério e esse seu riso rouco me faz chegar ao ápice de pensar que vale realmente a pena ser assim, tão louca de imbecilidade. Por essa vida, por tudo. Estranho o fato que eu abraçava você pensando que estava abraçando o mundo, porque um pedacinho que fosse de você se encaixava perfeitamente no meu. Porque esse seu ego enorme, sua lucidez e até mesmo a sua sinceridade deixavam um pouco intenso esse meu dia-a-dia conturbado. Te agradeço, também. Assim mesmo (leia isso nas entrelinhas)- você despertou em mim uma vontade absurda de querer desvendar tudo e todos e provar que eu posso mais, porque eu nunca pensei que fosse capaz de tão mais. E eu fui. Fui longe mesmo. E eu quero ir tão longe ainda. Pena que tenha que ser longe de você. Pena que depois eu não possa te contar e rir com você no fim do dia sobre a nossa louca falta de sorte. Eu só queria que você soubesse que eu joguei tudo pro alto por puro medo do seu sorriso me tirar do meu lugar. Mas hoje eu percebo, assumindo as conseqüências que isso tudo me trouxe, que a minha louca falta de sorte não era nada mais do que o desejo (que só agora eu sei que existe) de ficar um pouquinho mais que fosse do seu lado. Eu nunca te contei, mas a sua intensidade tirou a monotonia de mim. E hoje eu voltei a ser intensa. E um maltrapilho de questionamentos e confusões, não nego. Mas eu não posso mais deixar você ocupar esse espaço tão maluco na minha vida, porque falando sério, tenho medo de juntar a sua intensidade com a minha e voltar a querer ter aquela louca falta de sorte que era estar ao seu lado... ( você deve estar feliz, eu espero que você esteja. Deixa eu ver esse sorriso mesmo de longe, porque assim eu me sinto mais perto...)

“O rosto dele próximo do meu. Mais adivinho do que vejo o castanho dos olhos deslizando pelas órbitas. A sua mão toca no meu ombro, sobe pelo pescoço, me alcança a face, brinca com a orelha, alcança os cabelos. O seu corpo cola-se ao meu. A sua boca vem baixando devagar, vencendo barreiras, colando-se à minha, de leve, tão de leve que receio um movimento, um suspiro, um gesto, mesmo um pensamento. Estou em branco como a noite. Ele me abraça. Ele está perto.”(só porque essa aqui me lembra uma noite muito louca...)

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Quando a realidade pede uma trégua (uma história qualquer)


O relógio marca 22 horas. Pego aquele velho relógio que ela me deu no dia do meu aniversário há 2 anos atrás. Estou atrasado. Com meu GPS na mão, vou pro carro pra finalmente tentar encontrar o local da festa. É a minha formatura. Depois de dobrar em muitas esquinas erradas, finalmente chego. Tudo muito bonito, fica difícil até para uma pessoa como eu, desligada, não reparar nos detalhes.
Poso para algumas fotos com uns velhos amigos. Muita coisa mudou, outras continuam sempre as mesmas. O Jorge continua usando a mesma gravata verde-limão que o avô deixou pra ele antes de morrer, e olha que já faz uns bons anos. O Felipe mantém os mesmos sapatos de todas essas ocasiões especiais. E eu, bem, esse relógio de couro que uso, um pouco descascado, foi ela que me deu. No tempo em que eu ainda pensava que ela era minha. Falando nela...
-Matheus, seu imbecil! Deixou o carro aberto de novo, me dá aqui essas chaves. - disse rindo, se apressando para pegar as chaves do meu bolso e me dando um beijo na bochecha.
Ela ainda me deixa sempre bobo desse jeito, incrível. Está linda, ainda mais vestida de preto. Mesmo tentando ser discreta ela nunca passa despercebida. O único problema é que sou eu que tenho que disfarçar minha cara de surpreso toda vez que ela aparece desse jeito.
-Vou pegar uns drinques para nós! –Jorge falou dando um aceno com aquela cara de pretensioso tentando não tirar uma com a minha cara pelo menos uma vez nesses últimos anos.
Ana volta com as chaves, me jogando bem rápido sua bolsa e pedindo pra eu colocar na nossa mesa que ela já voltava.
Uma hora ou duas depois (eu já mais pra lá do que pra cá...) vou procurá-la. É um hábito: nunca consegui me acostumar a perdê-la de vista. Apesar disso já ter acontecido umas boas vezes, quando ela arrumou uns namorados. Mas não há nenhum cara em volta dela hoje.
-Ana, você sumiu, esqueci de te falar como você tá linda! (não consegui controlar)
-Que novidade, Matt, você sempre diz a mesma coisa.
Ela está descalça. É tão engraçado como ela não consegue ficar até o fim da festa de salto, e eu a adoro por isso. E por tudo. Por ser tão “não estou nem aí se estão olhando”. Que nem daquela vez que ela saiu do banheiro do restaurante que a gente tinha ido num feriado e eu tive que avisá-la que ela estava com papel higiênico na sandália. Ela riu, fez aquela cara de sonsa que só ela sabe fazer, e disse ‘Oras, você esperava que eu estivesse com o que?’

Então, antes que eu pudesse ao menos pensar, ela me pega e começa a dançar uma valsa comigo, tentando fazer uma cara séria enquanto piscam vários flashes daqueles fotógrafos para nós.
Enquanto ela encosta a cabeça em meu ombro sinto o cheiro do perfume que ela usa. Eu mesmo comprei, no seu aniversário de 18 anos, naquele dia que ela fez cara de criança recebendo doce, dizendo que eu era o melhor amigo que ela já teve (ela falava nesse perfume tinha uns 6 meses). E olha que Ana só me disse isso 2 vezes na vida: a outra foi num dia que estava caindo um temporal. Ela tinha terminado com o namorado e estava parada num ponto de ônibus com um guarda-chuva na mão lá perto de casa. É claro que eu fui buscá-la. E ainda aluguei vários filmes pra gente ver. Diferente de todas as mulheres que conheço, ela não deitou no meu colo e ficou chorando, muito pelo contrário, desceu o pau nele. Nunca foi muito de demonstrar as emoções, se é que me entende, mas eu sabia que ela estava chateada. Ana... sempre usando a raiva pra disfarçar todo o resto.

-Matt, deixa eu ajeitar a sua gravata.
-Você sempre faz isso, mulher.
-Não se pode perder os costumes! –disse com aquele sorriso de ponta a ponta que eu tanto amava e pegando mais um drink. Ela não sabia mesmo parar. Pena que sou suspeito pra dizer isso a ela.

O que ela não sabe é que eu preservo a nossa amizade por puro medo de perdê-la de vista. Porque eu sei que amanhã ela vai aparecer com outra pessoa, me ligando e contando como ele é. E eu escuto. Eu agüento. Porque mesmo sabendo que ela não gosta de mim desse jeito, eu gosto dela mesmo assim. E é melhor que nada.
Uma vez ela estava tão brava comigo por eu ter falado umas boas verdades pro pior namorado que ela já teve em uma festa de fim de ano, que quebrou uma taça cheia de vinho bem perto da minha cabeça. Ela é louca, sim. E manchou toda a minha camisa nova, mas tudo que eu sabia dizer era “deixa eu olhar pra você”.

Já é fim de festa e estamos dançando a umas boas horas. Perdemos a noção de tudo. Tenho idéia das fotos que veremos depois. E as que eu tenho certeza que ela vai revelar e me dar de presente (sempre as piores). Deus, Ana é tão previsível!
Então, inesperadamente, quando digo a ela que não estou me sentindo bem e que acho que vou pra casa, ela pega a minha mão e chega bem perto. Olha nos meus olhos e me beija. Me pega assim, tão desprevenido. O mundo para por alguns segundos. Coitado de mim, seria zoado o resto da vida pelos meus amigos se pudessem ler meus pensamentos.
Quando abro os olhos, está louca da vida rindo. E ainda diz, com o mesmo sorriso: ‘Bom, dessa vez eu não vou embora sem você. Vamos, eu te deixo em casa!.”
E meio que tropeçando, fomos pro carro. Ela liga o rádio e está tocando a música que sempre cantamos juntos. Mas é claro que eu não estou em condição alguma de cantar ou mesmo de me lembrar o nome da música. Ana canta mesmo assim, com o cabelo voando no rosto. Me deixa na porta de casa sem dizer nada, mas quando estou quase entrando, ela assovia, dá uma piscada e diz: “Ei, eu te amo!”

Deito na cama. São 5:19. Acho que era esse o nome da música. É claro que estou com medo dela não se lembrar amanhã. Ou de se fingir de desentendida, pra variar. Mas quem liga pra isso? Eu gosto mesmo é de olhar pra ela.....

sábado, 22 de maio de 2010

Cicatrizes.



Pensemos em um papel, rabisque algo bem forte sobre ele. Agora apague com uma borracha. Por mais que você tente, sempre ficarão algumas marcas. Quanto mais forte for o rabisco, mas difícil de apagar. Sim você pode escrever algumas coisas por cima, mas você sempre vai notar aquele fundo de rabisco que você foi incapaz de corrigir. Assim são a vida, as pessoas. Tudo que você fizer de concreto nunca deixará de existir sobre o papel. Assim reconstituo lembranças. O tempo pode amenizá-las, mas nunca apagá-las quando forem muito dolorosas ou marcantes.
Sinto sua falta. Sinto falta do grande rabisco que eu construí, como se fosse a nossa história. Também me lamento se o rabisco que você construiu foi menor do que o meu. Me lamento se você conseguiu apága-lo com tanta facilidade e eu ainda estou aqui, tentando desmanchá-lo. Mas eu sei, ou pelo menos tento acreditar que sei que, por menor que seja o seu rabisco, você ainda pode vê-lo. Assim eu espero, que você não apague tudo de uma vez. Você tem certeza do que realmente está fazendo? Você acha que rabiscando por cima do nosso grande rabisco vai conseguir me fazer ver que ele sumiu, ou simplesmente está tentando se enganar buscando um jeito de esquecer que ele ainda está ali? Pare e pense um pouco. Rabiscos podem ser histórias do mesmo jeito que simples marcas no papel podem ser cicatrizes. Cicatriz. Algo que permanece ali, como uma simples marca no papel, sempre te lembrando que ou você busca formas de escrever por cima delas, ou você se rende e nunca mais escreve.