sexta-feira, 8 de março de 2013

Epifania das linhas paralelas


Como se um gesto ou uma palavra pudessem mudar toda uma vida. E como se a vida fosse só um instante. Pois então era. A moça, debruçada na janela que dava para um vasto cenário em abstrato, sentiu uma súbita vontade de gritar. Mas era mais como um grito interno, a garganta fechada, a epifania daquela sensação chegava cada vez mais devagar, rondando o lugar, brotando das flores, varrendo o chão. Descolando, talvez, uma parte plural de todo um conjunto que logo corria pra se esvair dela. O grito se transformou em um riso perpétuo. Não irônico, nem obstante, talvez doentio, obscuro, familiar, sozinho ou indiferente, mas nunca a tristeza estampada nos lábios. Essa coisa não existe, da tristeza esboçando um sorriso, é sempre o sorriso esboçando uma tristeza. Mas nem era nada, era só desejo de trocar os discos de notas agudas por um de notas graves. Todos estavam enferrujados, mas aquela música parecia durar para sempre. Aquele riso incontrolável de quem nem sabe o que quer mesmo querendo tanto saber parecia durar uma eternidade, mesmo que o eterno dure só um segundo. O pra sempre é um grito que não chega a ser formado, um desespero no vácuo. A garganta fechada e o coração muito mais, como se um instante pudesse trazer a resposta, e a brisa morna fosse fechar as abas de um esboço muito mal-feito naquela tarde. Havia um outro esboço, alguém do outro lado daquele imenso corredor, como um rabisco, só se enxergava os contornos, nem luz tinha e não era tampouco uma sombra. Havia chegado depois de um instante, após uma vida inteira, e aquela interrogação pairava no ar enquanto vinha andando em sua direção aquela figura. Uma interrogação que deixava solta a mudança paralela ao fracasso e à felicidade, como duas linhas paralelas se encontrando no abismo do infinito. Por si só e por si mesmas.
-Vamos?
-Vamos.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Esse texto vai sumir


Hoje, olhando pela janela em mais um dia claro, me dou conta de que tudo vai sumir. Esse sol vai sumir, mas não o sol: o que vai desaparecer é o brilho que emana hoje, diferente de ontem e diferente dos raios de luz de amanhã.  Tudo virará pó, porque o que existe no hoje, aqui nele se perde. Eu também sumirei, porque amanhã nem eu sou mais o que hoje me parece: já terei ouvido novas palavras, visto coisas novas e sentido diferente. Amanhã sou outra, mesmo vestindo-me com as mesmas roupas. O outro dia não nos permite ser o que já fomos. A história pode possuir os mesmos roteiros, mas nunca os mesmos personagens. Nós nunca somos nós: somos vários que não somos amanhã. Somos vários que só vivem 24 horas. Como pássaros que chegam e vão. Eu vou sumir. Você também. Talvez um dia eu vire tu e tu me vires:  quem sabe do avesso, de cabeça pra baixo. Quem sabe por inteiro, talvez por metade. Tenho medo de piscar e perder um detalhe que nunca voltará atrás ou à frente,  medo de parar no tempo e para o tempo parar. Tudo some e reaparece, mas nunca permanece.  E estou assustada de perder um momento, como se a resposta pudesse escorregar de minha mão. Nada é real. Nessa manhã as coisas pairaram no ar como uma neblina espessa que mal deixa espaço pra se respirar. Isso também vai sumir. Os cheiros, as cores. Tudo é igual, mas nunca é. E está tão perto que quase posso tocar. Tão longe que quase posso fugir.


“Um homem nunca passa duas vezes pelo mesmo rio. Nunca é o mesmo rio. Nem o mesmo homem” Heráclito

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Todo carnaval tem seu fim



Estava escuro. A fumaça inebriada a impedia de ver algo naquela noite. Cambaleando em meio aos destroços do que parecia uma festa de rua, encontrou um lugar vazio no meio fio e se sentou. Os amigos tinham ido embora, talvez tivessem ido dar uma volta, e ela havia se perdido. Estava sozinha, mais uma vez então, em todos os sentidos que abarcam essa palavra. Solidão. Tão doce e tão cruel como um fim de tarde que vai esmagando a noite com os últimos raios de luz.
Era carnaval e ela não estava feliz. Pelo menos não se sentia assim. Aliás, fazia um bom tempo que não se sentia como nada. Não se sentia porque não sentia. Anestesiada e entorpecida, ela nem estava mais lá. Não se sentia parte de nada, não pertencia a lugar algum, e pela primeira vez em todo esse tempo, aquela garota de cabeça baixa no canto da rua percebeu que não fazia mais sentido querer desaparecer: ela já havia desaparecido. Como toda a fumaça na rua, ela estava em todo lugar, e ao mesmo tempo não estava. Desaparecia pelos ares no mesmo segundo em que era formada.
 Olhou para os lados e se perguntou se alguém poderia vê-la. Alguns pareciam estar olhando, mas o essencial é invisível aos olhos, e logo percebeu que eram todos cegos de alma. Ninguém poderia enxergá-la. Não naquela noite. Estava escuro demais. Seu celular tocava em algum de seus bolsos, mas nem se deu ao trabalho de ver quem era ou pegá-lo para atender.
 O estado de entorpecimento era tanto que a qualquer movimento ela poderia desmoronar e se tornar a poeira da rua. Cada gesto doía demais, mas doía porque não doía, e mesmo assim era necessária força para aquilo. E ela estava esgotada. Quis gritar, mas não se lembrava mais como. Não naquela noite.
Era difícil se focar em algo em meio a tanto barulho, que apesar de tudo, era melhor do que o silêncio. Talvez por isso estivesse ali. O silêncio era insuportável, e mesmo assim corria nas suas veias.
Tudo que conseguia pensar era em voltar para casa. Estava com fome, mal havia comido, havia dias que não se alimentava direito ou andava sóbria. Levantou-se. Mal conseguia respirar em meio à multidão. Os passos eram lentos e imprecisos. Alguém agarrou seu braço, e ao se virar para ver quem era, tinha sido agarrada por um estranho. Ela não conhecia aquele rosto, mas também não tinha força para se livrar daqueles enormes braços. Tais lábios desconhecidos pareciam queimar os seus com tamanha brutalidade, que tudo parecia pegar fogo. Ela estava ardendo em chamas. Quando finalmente foi solta, sentiu uma vontade inexplicável de vomitar. Começou a chorar. Sentiu-se suja da cabeça aos pés. Estava imunda. Mesmo se tomasse dez banhos, jamais seria capaz de se livrar daquela sujeira. Odeio eles, cuspiu. Odeio todos eles.
Ainda precisava caminhar até o ponto de ônibus, cada passo era uma eternidade. E naquela noite, a eternidade tinha um gosto podre.
Acendeu um cigarro e por um segundo teve a impressão de que alguém havia chamado seu nome, porém depois começou a rir consigo mesma. Ninguém podia sequer vê-la, como poderiam chamá-la? Mas o som prosseguia e ao sentir uma presença atrás dela naquele ponto de ônibus praticamente vazio, virou para trás.
Tudo que avistou foi um enorme sorriso e um par de olhos marejados de lágrimas. Não se recordava muito bem daquele rosto, talvez em sonhos antigos, mas aquele sorriso.Jamais poderia esquecê-lo. Ouviu a pessoa comentar:
-Você não parece feliz.
Quis perguntar se alguma vez já havia parecido, quis pronunciar o seu nome, mas não se lembrava. Quis dizer algo, mas não conseguiu. Então apenas olhou com carinho e deu um sorriso, mas quando se deu ao tempo de piscar, as sombras haviam envolvido aquela figura. Não havia ninguém lá. Ela estava sozinha. Ao subir para o ônibus, tudo ficou preto. Nada era real. Não naquela noite. Não mais.

Nota: pra você, Jú, espírito livre, que me faz sentir menos sozinha nesse mundo.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Aceito




Quase ninguém suporta uma pessoa que sente demais. Alguém que pensa muito, vá lá, é ótimo, quem não gosta de alguém com boas ideias e senso crítico? Mas quem aguenta uma pessoa que sente mais do que os outros? Durante toda a minha vida eu sofri com isso. Sinto demais, escrevo demais, transbordo demais, porque sempre fui intensa em tudo que faço, e normalmente as pessoas se assustam e vão embora. Irônico, mas durante toda a minha vida, muita gente se assustou com o tamanho do meu coração. E deve ser por isso que eu fui socando ele dentro do peito pra ver se eu me tornava uma pessoa melhor. Será que eu me tornei? Acho que não, mas eu tinha boas intenções a respeito disso. Eu realmente tinha. As pessoas têm medo do que sentem e ficam com muito mais medo quando encontram alguém que não o possui. Deve ter virado pecado sentir. É doença. Todos sentem quando já deu o tempo de gostar, e eu não, eu gosto pelo prazer de gostar de alguém. O tempo, o infeliz do tempo. Horas marcadas, datas marcadas, tempo certo pra isso e aquilo. Claro que é preciso antes conhecer alguém direito pra ter certeza do que se sente, mas o verdadeiro lance é que as pessoas se assustam quando alguém diz o que sente antes da “hora”. E começaram a achar que todo mundo que diz antes do estipulado tempo diz da boca pra fora. Não. Não mesmo. Eu sempre fui do coração pra fora. Só que as pessoas me ensinaram a ser do coração pra dentro. É preciso ter vergonha dos próprios sentimentos pra não ser ridicularizado nessa vida. Porque sentir demais é exagero. Quem sente demais é louco, já viu isso, amar demais, e ainda antes do tempo? Bobagem. O negócio é fingir. E vão todos por aí se fantasiando de pedras ambulantes porque sentir não vale a pena. Sentir virou coisa de gente corajosa. De gente ousada. E eu sofro por ser assim, porque por sentir demais, acabei pensando demais, e de tanto tentar diminuir meu coração eu aprendi a sentir menos. Mas sentir menos me faz ficar doendo mais, como se eu não tivesse a licença de sentir o que eu sinto, mas sentisse mesmo assim. E então eu fico me sentindo oca. Porque assim é aceitável. Sentir demais virou coisa de gente corajosa. E mesmo sentindo de menos eu continuo sentindo demais. Ninguém precisa me aceitar. Ah, meu Deus. Eu me aceito. Eu aceito ter nascido com um tipo de angústia inexplicável que me faz amar o mundo e odiá-lo ao mesmo tempo. Eu aceito. Quem disse que eu tenho medo? Eu me aceito.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Belo desastre

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Levantou da cama naquela manhã completamente cinza. Abrindo as persianas lentamente, viu os primeiros feixes de luz do dia preencherem o quarto. Vestiu as roupas impregnadas sabe-se lá do quê, calçou as botas, bebeu o café matinal e foi dar uma volta. Ele ainda não havia chegado. Já eram quase 6 horas da manhã. E nada. Nem um sinal, um barulho. Ficou a noite inteira tentando ouvir qualquer coisa. As chaves girando, o som do carro estacionando na garagem. Parecia insônia, mas era só ansiedade. Onde ele estava? Já faziam dias. Tinha prometido voltar. Nem um segundo. Não tinha conseguido dormir um segundo. E não andava sóbria fazia um bom tempo. Tinha prometido. Ele tinha prometido. As ruas ainda estavam vazias, não se ouvia nada. A não ser o vento levando algumas folhas das árvores. O que estava fazendo com sua vida? Aquela mulher pensou, ali no meio de tudo que mal se movia. O casaco em seus ombros parecia pesar uns quinhentos quilos, e ela mal levantava o olhar pros primeiros que começavam a sair de suas casas. Mais um dia, pensou. Mais um dia interminável. Há cerca de quase um ano, tudo tinha cor, ela deslizava pelas ruas, pelo mundo, vivia no balanço ao fundo da casa. Hoje ele está largado ao canto, meio morto e esquecido, como quase todas as coisas desde que ele tinha ido embora. Ele tinha prometido voltar. Ligou há uma semana e finalmente algum som dentro daquela casa que parecia mais imune à prova de inquietude. Era um som. Esperança? Talvez. Pensou no tempo e era tempo demais. Já fazia uma semana. Uma semana esperando. Aliás, um ano. Um ano esperando uma ligação. A voz não era a mesma, mas era melhor do que nada. O silêncio incomoda, mas o vazio muito mais. Ficou na calçada esperando. Quem sabe ele não viria hoje? A manhã passou num piscar de olhos e logo já era meio-dia. Ia  virar-se para retornar até a casa quando escutou os pneus do carro sob as folhas do outuno. Finalmente, pensou. Mas que diabos estava acontecendo que ela não conseguia nem levantar dali? Não tinha mais forças, ou não queria. Então era assim que as pessoas se sentiam depois daquele tempo? O homem olhou em pé na rua para aquela figura, e por um segundo hesitou. Talvez fosse melhor não ter ido. Mas respirou fundo.

-Você não vai levantar daí? –disse, ajudando-a a levantar com o apoio de uma mão.
-Obrigada–e nenhuma expressão em seu rosto. Só sombras.
-Podemos entrar?
-Claro, só não repare na bagunça.

A casa estava um caos. Vasos e mesas viradas, como se um redemoinho tivesse passado por ali. Sentaram-se em um sofá a um canto.

-Por onde você esteve? –teve que arranhar a garganta antes de dizer, tamanha era a falta de uso de suas palavras.
-Viajando. Espairecendo. Trabalhando.
-Por que você não ligou? –havia lágrimas em seus olhos.
-Eu quis te dar um tempo para... reconstruir a sua vida. Mas pelo visto não foi isso que aconteceu.
-Você não podia ter me deixado sozinha em uma fase tão difícil! Como foi capaz? –disse quase gritando, se levantando, e logo começou a andar de um lado para o outro na minúscula sala de estar.
-Maria, senta! Vim aqui perguntar como estão as coisas, mas não sei se mereço resposta.
-Quer saber como estão as coisas? Pois bem, as coisas estão uma merda! Eu perdi o nosso filho e você foi capaz de me deixar com a desculpa de que precisava respirar. Respirar? (disse em meio aos soluços e punhos erguidos) Eu quem precisava respirar, e não consegui nada, só esse ar podre, essa casa imunda que me lembra você.  Era pra você ter permanecido ao meu lado, e a primeira coisa que você fez foi sumir. Tá vendo isso aqui? (e apontou pro lixo). Sou eu, sou eu! E começou a rir. (Cristo, ela finalmente tinha enlouquecido.)
-Maria eu entendo, me perdoe, nunca pensei que encontraria você aqui fedendo a álcool e a cigarro, eu só achei que precisávamos de um tempo, e pensei em voltar, mas não sei se é isso que você quer.
-Você também está fedendo a cigarro e a bebida. Aliás, está fedendo a prostitutas também. É isso, você está aí, cheio de putas, e eu me perguntando por onde você anda!
-Eu não deveria ter voltado, querida, eu sinto muito.
-Você não deveria ter ido embora!
-Mas você era feliz quando estávamos juntos, não era?
-Sim, eu era.
-Tente ser feliz de novo. Por mim.
-E você, era feliz?
-Era.
-Não era merda nenhuma! Se você fosse feliz não tinha me largado.
-E naquele dia, hein? Que você recebeu a notícia que estava grávida, eu cheguei com um balão em formato de coração e eu nunca vi seus olhos brilharem tanto. Você acha que eu não era feliz? Claro que eu era feliz, mas você se perdeu de mim.
-Não, a gente se perdeu um do outro.
Ela deu meia volta e acendeu um cigarro.
-O que você vai fazer,  Maria? Digo, de agora em diante.
-Ah sei lá, me trancar aqui. Fumar e beber até morrer. E riu. Aquele sorriso de lado com o cigarro entre os dentes. Era a deixa pra ele correr.
-Estou falando sério! Mas já não sabia mais quem estava falando sério. Onde estava a verdade, meu Deus, quando se precisava dela? Onde estão as verdades, se é que as verdades existem?
-Ah, e o que você quer que eu diga. Sei lá, trabalhar, viajar, espairecer? Rá. Espairecer. É, eu vou fazer isso.
-Maria, olha nos meus olhos!

Olhou. E ele não viu nada. Um imenso lago flutuante no qual não era mais capaz de nadar. Dava tristeza de olhar, era um eco que ressoava em todos os lugares. Será que eu ainda estou vivendo, afinal, Maria, será que eu posso ir embora agora? As palavras gritavam em seus ouvidos, mas ele jamais seria capaz de pronunciá-las.

-Vá embora! Ela gritou.
-Eu te amo, querida. Olhe pra mim. Eu amo você.
Ele não saía, então ela bateu a porta na frente dele e saiu correndo.
-Eu te odeio!

Mas ele não conseguia mais ouvi-la. Saiu correndo e tropeçando nos próprios pés. Não sabia para onde iria, provavelmente voltaria, mas se ele ainda estaria lá, era um mistério. Saiu correndo. Correndo. Antes de desmaiar no meio da rua, tamanha era a falta de sono, o álcool e cigarro. Mas o que mais pesava era a lucidez. O amor se esgota, pensou.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Ponto e vírgula;


Provavelmente esse é o vigésimo texto que eu faço sobre você em o que, uns dois anos? Tantas palavras, tantas vezes essa página em branco em aberto. Sempre alguma coisa pronta pra ser preenchida, com dor, saudade, ressentimento, com qualquer coisa que me lembrasse você. Sentimentos que eu sempre precisei botar pra fora pra que não me sufocassem. Você foi durante muito tempo o personagem principal das minhas historinhas, a piada pronta e crucial que eu não quis contar pro primeiro que eu viesse a conhecer. Por muitos dias e semanas e meses que passaram,  o segredo no meio dos lábios, a lágrima de saudade ou de desespero que eu não quis mostrar, após uma briga, por não saber o que fazer. Outras,  o motivo do sorriso bobo ao responder uma mensagem ou ao chegar em casa após um longo dia e ver você falando comigo e me fazendo rir. Aquele momento em que eu finalmente me sentia em paz, como se fosse o único instante do dia em que eu conseguisse respirar de verdade. Era mentira aquilo que eu disse, de que os meus banhos demorados são o único momento no dia em que eu me sinto verdadeiramente bem. Mentira, mentira, o  momento em que eu me sinto bem é quando eu falo com você. Hoje eu aprendi o significado daquela famosa expressão: “casa é qualquer lugar em que eu esteja com você”, e no meio dessas estranhas confusões em que eu me meto, fico pensando que preciso voltar para casa. Mas você é a minha casa. E eu sempre te procurava quando estava infeliz, mas e quando estou infeliz por tua causa, eu recorro a quem? Sei que você disse que ia fazer de tudo que pudesse pra nunca mais me magoar, mas olha lá, você fez isso de novo. Não te culpando ou nada, mas não posso deixar de negar os fatos, sempre que está tudo dando certo, você coloca tudo a perder. Eu fiz muitos sacrifícios por você, e agora faço mais um deles. Eu lhe disse que nunca ia te abandonar, e não vou, mesmo que às vezes eu sinta vontade de correr pra longe de você e nunca mais ter que chorar. Eu fico, como a amiga que sempre te escuta e ri de você no fim do dia pra que você se sinta um pouco melhor com toda essa amargura que existe dentro de você, e pra me livrar um pouco da amargura de não ter você por inteiro. Preciso admitir que é um tanto quanto triste não ver os seus olhos com tanta frequência, mas toda vez que os vejo, é como se eu abrisse a janela da minha alma e só enxergasse estrelas. Como se eu fosse sugada pra dentro de você. É isso, eu fui soprada como uma brisa morna pra dentro do teu corpo, e eu nunca mais consegui me libertar da tua alma. Tua alma grita pra mim um monte de escuro e medo. Tua alma grita pra mim e eu tento encher teu corpo e mente com um pouco de luz, mas eu não consigo mais sair da tua alma, ou eu não sei, eu não consigo mais fazer com que você saia da minha. Eu coloquei outdoors nas ruas, pintei um céu cheio de estrelas,  fiz chover simplicidade. Voltei atrás em absolutamente todas as minhas escolhas, voltei atrás por você, porque eu te quis caminhando comigo. Eu fiz tudo por você, e eu era capaz de muito mais. Ah, eu era sim. Meu amor, ah meu amor, eu fiz de tudo pra você ver que era eu. Eu no meio dessas meninas com corpos e rostos bonitos que não dão a mínima pra você. Era eu esse tempo todo, olhando de esguela do outro lado da rua, esperando chover pra você vir correndo pro meu guarda-chuva. Eles não te amam como eu. Quando você vai entender isso? Aliás, quando você dará valor a tudo isso? Você está perdido, perdido como alguém sem casa, sem telhado. E é por isso que você me ama tanto e ao mesmo tempo não pode me amar. Você não pode me amar sem antes resolver a sua vida, e é muito egoísmo da sua parte, me colocar na retaguarda, me chutar pro outro lado da rua de novo como se eu fosse mais uma coisa da sua vida cheia de coisas que não são ela. O guarda-chuva está comigo aqui ainda, do outro lado da rua, mas eu não sei por quanto tempo você vai ficar molhado agora. Eu não vou mais passar pro outro lado da rua pra ser tirada desse jogo que a gente chama de amor como se eu fosse um punhado de nada. Eu não vou mais esperar por você. Eu esperei quase dois anos e sou incapaz de esperar mais um segundo. O mar tá bravo, meu amor, e eu preciso voltar pra praia. Você precisa aprender a navegar e tomar conta do seu barco pra achar o caminho de volta pra mim. Acontece que dessa vez, quando você resolver cruzar o outro lado da rua, talvez seja finalmente tarde demais. Tá chovendo muito, tá chovendo forte meu amor, e o guarda-chuva não cabe mais nós dois. Esses dias andei pensando que você é como um cigarro: eu gostaria de te tragar e deixar a fumaça dentro de mim pra sempre, mas não dá, tá queimando, tá queimando a boca, a garganta, os meus pulmões, tá queimando tudo, e eu tenho que jogar a fumaça pra fora porque por mais que a sensação seja boa, ainda assim é perigosa. É isso que você é na minha vida, como as águas lindas e perigosas do mar. Eu vou continuar te vendo de longe e ficando na beirinha, pra te apreciar e ver a coisa mais linda do mundo que nunca foi minha, por mais que você insistisse que fosse. Mas entrar nas suas águas pra me afogar é mais do que você tem o direito de me pedir, eu nunca soube nadar direito, e mesmo assim eu tentei, eu tentei e fiz de tudo, mas depois que a gente leva um, dois, três caldos, a areia é mais segura. Você não deixa de ser lindo apesar da escuridão, mas esse mar se tornou grande demais, denso demais, incerto demais, e no fim, muito mais do que eu jamais pude aguentar.

"Você sabe aquele lugar entre o sono e a vigília, o lugar onde você ainda pode lembrar sonhando? É onde eu sempre vou te amar."

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Quando a dor já não dói




Olho para cima, para o céu denso infinito e escuro como um piscar de olhos e tudo o que consigo ver é a lua minguante, verticalmente bem acima de minha cabeça.  Ao me inclinar um pouco, a copa do telhado me indica um enorme buraco em forma de coração. Não, não é ilusão, é realmente um coração. Não faz frio, tampouco está quente. É uma típica noite de verão e eu só digo isso porque todo mundo fala do tempo quando na verdade o tempo nem existe e é tudo ilusão essa coisa de que o tempo todo, o mundo todo girando em torno do tempo. As luzes dessa noite chegam aos meus olhos um pouco turvas e refletidas por causa do incômodo da lente que apesar de tudo me faz enxergar. É importante conseguir enxergar mesmo que doa. Como ver uma dolorosa morte nos pequenos detalhes. Ou mesmo os detalhes bonitos: não se enxerga as folhas de uma árvore uma por uma, individualmente sem doer um pouco, porque sempre dói pregar a atenção no que é bonito. Pelo menos pra mim, porque eu esqueço até de piscar e aí fica tudo embaçado mas não deixa de ser bonito e individual e único e indiferente de mim assim mesmo. Tudo continua igual, mas eu sinto como se estivesse diferente. Como se os arrepios que eu sinto quando um vento sopra fossem mais agudos, ou menos tortuosos e torturantes, como se eu gostasse de doer só pra não ficar doendo. Como se eu deixasse de sentir dor quando soubesse que ela está lá. Porque o que dói mesmo é não doer, é não sentir nada.  O vazio me preenche de tantas formas possíveis e impossíveis que ele vai me engolindo e vai abrindo-se um buraco pro infinito e de repente o buraco sou eu e o infinito também. E é por isso que dói tanto, porque não dói. Simplesmente porque odeio ver um monte de cores e sequer conseguir distingui-las, me faz mal e me deixa doente escutar tantas vozes e mesmo assim elas não fazerem sentido algum, como se fosse um sussurro em outra língua e eu sorrindo com o doce gosto de um adeus que sempre volta. Eu não sinto dor quando a dor chega mansa e calma como uma brisa porque ao menos eu tenho controle sobre isso. Eu sei domar a minha dor, porque a minha dor não sou eu. Existe a dor e existo eu. Mesmo que quando a dor exista eu não me torne assim tão visível por ela nem por ninguém. Mas acontece que quando chega o vazio, o vazio não existe por si só, o vazio sou eu, e aí eu não sei voltar pra mim e eu não sei o que é isso que me perturba tanto e eu odeio não saber porque aí parece que eu vou adormecer sem saber nada e de repente tudo pegando fogo, e ardendo em chamas que não há água que apague. E a dor volta como uma velha amiga e eu gosto dela porque pelo menos ela tem forma, pelo menos consigo vê-la sem me cegar, assim como consigo ver as folhas das árvores e distingui-las uma a uma, mesmo que doa um pouco, porque ainda assim é melhor do que não ver a dor e por isso doer tanto, porque quando eu não vejo eu não sei o que é e todos estão rindo ou chorando e estou ardendo ou coexistindo ou amando  e eu ainda não sei o que é, ainda não consigo ver, não sei do que falam. Eu gosto de te ver assim, ao longe, ou perto, mas gosto de te ver nítido, gosto de saber o que eu sinto mesmo que eu não esteja gostando de sentir, gosto de te ver bonito, gosto das suas mentiras ou das suas verdades desde que elas sejam algo. Gosto de ver você tomando forma na minha frente e voltando tão vivo como uma chama pra minha vida e gosto que o amor reacenda mesmo que de fato eu nunca tenha conseguido apaga-lo, porque mesmo que doa o queimar das minhas veias e mesmo que eu comece a cuspir fogo e implorar por um socorro que nunca vem, e eu nunca sei chamar nem sei a quem nem como e nem quando, ainda assim eu consigo vê-lo. O amor, você, o cheiro, o toque, as suas loucuras tão suas, a sinceridade que esconde algum segredo, as mentiras, a paixão, qualquer coisa. Assim mesmo, qualquer coisa, eu vejo qualquer coisa cheia das coisas que são você que sou eu também. Mesmo que doa e me sugue e me transforme, ainda assim eu consigo ver. E eu não preciso clamar socorro porque você vem quente como uma tempestade e eu consigo te ouvir se aproximando, e eu gosto que você me domina por completo e ainda assim eu vejo tudo, muito melhor do que quando você vai embora e eu fico me tornando o vazio que eu sou mais uma vez, sem sentidos, direção ou noção alguma do que está na minha frente ou do que está acontecendo porque na verdade o que está acontecendo sou eu, e eu não gosto quando sou eu que aconteço o tempo todo como se não acontecesse nada. Não acontece nada. Não, eu não preciso pedir socorro, hoje mesmo eu até tentei gritar, eu saí correndo pra longe daquela outra pessoa parada na minha frente e eu não conseguia vê-la de repente porque é só você em mim no vento em todos os lugares, e eu te vejo assim tão nítido como a dor e quero bater e cuspir fogo no menino ao meu lado, eu quero cuspir você nele porque ele não é você e eu não consigo vê-lo e é por isso que ele é tão feio e daí vem a repulsa, o nojo e o ódio. Nojo de mim porque estou tentando pedir socorro de novo. Vergonha de mim e dos meus tropeços, do modo como sempre vou perdendo o sapato no meio do caminho e de que eu tento gritar e não sai nada, não sai nada, ninguém olha pra mim, ninguém me vê, ninguém ouve. Olha cara, não dá, eu digo pra ele. Não dá por quê? Porque não, porque não, quase grito sem voz alguma, você é só um formato embaçado que faz parte do vazio e o vazio não vai me sugar e eu não consigo ver você e vai embora agora, aí eu saio correndo e não encontro lugar algum ou pessoa que possa me salvar da minha espiral de paranoias, porque eu te amo eu te amo eu te amo ainda e por mais um dia e última noite última lua última estrela última flor última nuvem, eu te amo como se fosse a última e sempre a primeira coisa que eu fosse capaz de fazer. O seu fogo atinge em mim lugares que nem chama de verdade atinge, porque você é muito mais de verdade do que todas essas coisas que nem existem e que eu nem consigo ver direito. Você me queima por completo e eu sinto dor mas eu consigo ver o vermelho em volta e o laranja também e é muito mais quente do que essa noite meio fria, meio quente, porque sei lá, ficar sem se queimar é muito mais doloroso do que o calor do seu fogo. Faz tempo, faz tempo que eu não sinto os seus braços, me abraça, quero te tirar do vazio, quero te tirar do vazio que é não sentir dor e mesmo assim sentir tanta,  quero tirar você daí, quero te tirar da sua espiral de paranoias, vem morar na minha, quero te tirar do perigo que é achar que não tem perigo nenhum. Eu te amo eu te amo. Vou correndo, gritando e soltando fogo pelos meus pés e tropeçando e. Não há necessidade de implorar por socorro, acho que dessa vez eu não quero mesmo ser salva por ninguém sem ser você. Vem,  me queima. E me salva da dor de não sentir nada. De novo e de novo e sempre como nunca jamais e por tanto tempo mesmo que o tempo não exista o tempo todo.


"você pode ter todos os defeitos do mundo, mas ainda é melhor do que o resto do mundo"