A solidão não deixa rastros. Não possui o dom do perdão e
não é perdoada por ninguém. É a visita insistente que faz
com que coloquemos veneno em seu chá pra que bata as botas. Mas ah, não tem
dessa com a solidão. Ela se nutre do pior que temos a oferecer. Como as baratas. Suga o veneno, bebe o chá,
pede mais uma xícara, e começa a visitar-nos com mais frequência. Senta-se, ou
melhor, apossa-se da cadeira mais linda da nossa casa. E os dias passam. Ela
torna-se a mais nova inquilina. E não há nada que possamos fazer, pois
desistimos de enterrá-la a força. A solidão toma afeição por nós quando
aparecemos para ela com paus e pedras, tentando vencê-la, ou quando nos
calamos. Vil, mas cheia de boas intenções, diverte-se sadicamente com o nosso
destempero. Com o tempo outros convidados chegam, mas a vontade de atender
terceiros é nula, afinal, a solidão engorda, vira uma mulher obesa. Quebra as
cadeiras. As pessoas não têm onde se sentar, e a vergonha assola todo o lugar, como uma
poeira estranha. Porque não importa a relação que tentemos estabelecer, a
sensação é de distância. Ninguém nos toca porque a mulher gorda está parada na
nossa frente. Possessa e possessiva, ela não vai a lugar algum. Tudo bem. Não
faz diferença. Você também não vai a lugar algum. E com o tempo deixamos a
sinceridade conosco e para com o mundo de lado, porque o universo e você estão
separados por uma imensa parede de ferro. E no momento se está tomando chá com
a velha gorda amiga quebrando as cadeiras e deixando-nos surdos e cegos e mudos.
Tudo se envolve em uma densa neblina. A vida fica meio engraçada, pois ninguém
te descobre. As pessoas só escutam o que querem ouvir. E é exatamente isso que
se diz. E se diz sem ter certeza de que as palavras chegaram. Não há som. A
densa neblina transforma-se em um aconchegante cobertor quando está frio. E a
vida fica mais calma. Nada se teme, porque a mulher gorda protege a casa com
unhas e dentes. Só que um dia ela fica
grande demais e vai embora. Mas a névoa fica. É tudo que fica. Nem o medo nem a
coragem, nem o amor nem o ódio. Apenas a solidão e a morfina e isso é tudo.
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