quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Borrado


La Tricheuse. | via Tumblr


Ficou uma mistura de ressentimento e tédio borrado pela desimportância que o silêncio tomou. A marca da procura da minha face em qualquer um desses espelhos quebrados. O pouco que sobrou foram umas lascas de vidro que custei pra encontrar o brilho. De tanto rastejar acabei cortando as palmas das mãos. Ficou a estranheza da falta da rotina, sorrindo calada um corte cruel. Foram-se doentes as minhas mãos geladas e paradas. Ficou o calor solitário de uns poucos instantes. Foram-se as paredes brancas, as fomes tantas, o medo do mundo. Ficou o grito do insulto, o sorriso imundo, as muitas palavras. Depois de tudo do nada, a alma gelada, a pele maltratada; ficou o veneno nas veias, a moldura perfeita e um anjo caído. Ficou o cabelo cortado, o perfume usado, todos os cheiros decorados. Foi-se a textura macia, a água da pia. Foi-se o abraço apertado, o pranto calado, o último recado. Ficaram-se os olhos roubados, o vermelho dos lábios, a pura falta do fim. A pergunta mais triste, na verdade, se o roubo do presente dava fim ao passado, era só a vontade de responder aquilo que nunca perguntei. Um anjo surrado, de porcelana, quebrado. O sonho roubado que ninguém me concedeu. Ficou a pergunta mais triste, se eu não tinha mais nada pra dizer: não naquele momento, afinal, algumas coisas não cabem nos nomes. Alguns nomes não cabem nas coisas. As asas nunca couberam no anjo e ele se espatifou no chão, sem fazer barulho, em menos de um segundo. E com ele, todo o peso do mundo.


(A tempestade, o mar calmo, e finalmente, um ri(s)o raso)

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

A única certeza


Eu tinha certeza de tanta coisa na minha vida. Certeza da mão quentinha nas minhas costas, certeza quando acordava de manhã. Certeza de você, quando você me ligava numa tarde qualquer. A gente se acostuma tanto com o sol nascendo de manhã que quando ele não nasce é esquisito. Quase engraçado. Mas não chega a ser porque existe uma linha tênue entre as coisas de verdade e as coisas que podem ser só sentidas com o coração.  Eu tinha certeza que não ia ser feliz nunca mais. Que bobagem. Que bobagem é a vida. Que estranho. Hoje joguei umas palavras fora (do computador) e tive certeza dessa frugalidade que é viver. Hilário. Quase entediante de tão louca. Hoje apagando essas palavras pensei no que minha terapeuta disse do martelo, dos pregos e da madeira. Se retirarmos os pregos da madeira, as marcas permanecem lá após anos. Ou quando um espelho inteiro lindo quebra e a gente tenta limpar com as mãos sangrando em busca de um brilho qualquer. Esse texto não é sobre nada em especial, só o fato de que eu hoje parei pra rir de como a gente tem tanta certeza das coisas e no final descobre que não era nada daquilo. As certezas são eternas enquanto duram. E engraçadíssimas quando passam. Vivemos em busca delas, pra ver se fincamos um pouco o pé no chão em meio a esse mundo que gira rápido demais. Mas meu pai sempre me disse que se a gente afunda o pé demais na areia a onda nos leva. É por isso que eu ando mudando os pés de lugar às vezes. Pra dar pé viver. Pra dar pé amar. Pra onda não levar. Meu pai anda um pouco cansado já pra me segurar quando eu tô com medo do mar. E nunca se sabe se os salva-vidas vão chegar a tempo. Bobagem contar com a sorte. A sorte é só mais uma dessas certezas equivocadas e de última hora que a gente coloca na cabeça pra não morrer afogado num oceano de dúvidas. Eu engasguei um pouco com o sal do mar pra aprender que eu não sou peixe. Mas minha vó sempre me chamou de sereia. Ah, que bobagem a vida. As coisas são tão efêmeras. Como as folhas que despencam das árvores num aceno tímido. E não voltam nunca mais. Temos certeza das coisas enquanto elas sorriem, abraçam, beijam. Temos certeza das coisas enquanto são, depois que elas apodrecem, murcham, não são mais. Nós e nosso mundinho de certezas. Certezas tão passageiras e subestimáveis. Coitadinhas das minhas certezas. Reguei com tanto amor. Como rosas que uma vez tiradas da raiz morrem em dias. Eu tinha certeza no quentinho das mãos todos os dias. Acostumei com as mãos geladas, que apesar de tudo, são minhas e são mais dignas. Um pouquinho que seja. Porque não quero ter certeza. Não gosto, não aprovo, não faço questão. Coitadinhas. Tão pequenas e imaturas que nem mereciam existir. Mas é necessário que existam porque viver sem elas é como viver sem a mão do meu pai no mar quando eu era pequena. Mesmo que eu tivesse que nadar um pouco pra alcançar. Porque eu tinha certeza que ia amar tanta gente pra sempre. E porque sou tão capaz de amar que minhas certezas tiveram ciúmes de mim. E me roubaram só pra elas. Porque amar não precisa ser pra sempre. Já foi. Mesmo não sendo. Só de ser amor já foi pra sempre. Sinceridade na alma é tudo, mesmo que o outro não tenha existido de verdade. E eu ri da minha falha. Eu brinco dessa coisa porque gosto de acreditar na eternidade como um véu de noiva que o noivo levanta pra beijar como se aquele fosse o único momento importante na vida. Porque eu achava graça do meu pai me dizendo que o mar ia me levar e eu sempre tive tanta certeza que um dia ia levar mesmo. Nem veio. O tempo passou e o mar nem veio mais. O tempo passou e é só isso. De novo. Não que algum segundo ou milésimo de segundo tenha deixado de passar. É só que, de uns tempos pra cá, ele tem passado rápido demais. Talvez por causa das dezenas de rosas que eu joguei no mar pra Iemanjá. Talvez o mar nunca veio porque eu nunca fui. E talvez eu nunca tenha ido porque tinha certeza que ele viria. Que azar o meu. Nunca contei com a sorte. Que bom. O tempo passou. É só isso. Minhas rosas estão no Pacífico, murchas, por aí, como as minhas certezas. Tinha tanta certeza do quentinho nas costas e do sorriso que aquecia as minhas manhãs, tardes, noites, certeza de que nunca mais fosse ser feliz, e a única certeza que eu tenho é que, infelizmente e super clichê, amanhã é mesmo outro dia. Até que a certeza do outro dia vire pó como o resto todo. 

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A bomba-relógio sem ponteiros

XOXO. | via Tumblr


Meu coração é um piso frio de madeira. Ou de cerâmica. que a gente deita à noite, meio que pra confirmar que é frio mesmo. Meu coração é um grito mudo no vácuo. Meu coração é um balão inflável que inchou pra dentro. E estourou. Meu coração são pedaços emendados de papel. Manchas de tinta. Ou de sangue. Meu coração são cacos minúsculos de vidro. Cachoeiras imensas de água. Ou de lágrimas. Meu coração é um estilingue no olho do objeto amado. É o gatilho que não chega a ser puxado. Meu coração são cortes fundos na pele. Sangrando, sem estancar. Meu coração são cicatrizes bonitinhas que não falam. E com elas, converso. Meu coração não tem válvula de escape. É um aglomerado de gente na Avenida Paulista. Meu coração é claustrofóbico. Dentro de um ônibus lotado. Meu coração são as portas fechadas, e as janelas, abertas. Meu coração é um barco naufragando em alto mar. Sem vela. Sem trégua. Meu coração, desesperado, por um triz na corda bamba. E ainda assim, samba. Meu coração, apaixonado, se joga do penhasco. E acha o máximo. Meu coração é uma bomba-relógio. Sem ponteiros. Meu coração é um pinheiro. Todo seco e congelado. E que rende frutos. Meu coração é o diabo. Meu coração é um cão dos diabos. A flor diabólica que alguém plantou. Meu coração, cheio de espinhos, sem carinho. A flor maldita, à espera de um sopro de vida. Recaída. Meu coração é um gol nos 45 minutos do segundo tempo. É um choro, sem lamento. Meu coração é um tormento: egoísta, masoquista, maniqueísta. Meu coração é uma nuvem linda que chove e some. Meu coração é um raio na cabeça de alguém. Na minha. Meu coração é uma topada na quina da mesa. A voz presa. Todos os ossos quebrados. Meu coração, se falasse, sufocaria. Meu coração é mais do que isso. É bem mais do que tudo isso.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

O único ódio que eu sinto (nua)



Eu em paz com as minhas coisinhas. Eu em casa feliz e normal. Eu, pela primeira vez, com a felicidade calminha que nem dói porque não explode no peito. Eu, pela primeira vez, só e tão cheia de mim. Eu sem dor, eu sem falta, sem pouco, sem metade, sem angústia, sem aborrecimento. Sem intensidade. Eu sem mim e mesmo assim tão eu e tão pouco tempo. Eu feliz, normalzinha no meu mundo e o mundo todo acontecendo lá fora. Eu, pela primeira vez, sem me importar. Eu que tentava diminuir o mundo pra caber nele. Sofrida, dolorida, retraída, manca. E agora eu me diminuindo pra fazer parte do mundo sem que ele me esmague como um gigante de dois pés impiedosos. Eu normal em casa, eu normal tão estranha que nem é normal. Eu sempre tão eu que meu normal ainda é uma ventania capaz de derrubar a minha casa. Mas eu normal eu. Tão normal que vou tentando simplesmente. Me sentindo com 10 anos de idade e minha alma velha e cansada assim mesmo. Eu me fantasiando pra poder ser feliz. Eu normal e quieta, em casa, com as minhas coisas. Pela primeira vez, sem sentir ódio disso. Esse ódio das coisas mornas e normaizinhas. E eu frívola, insossa, morna, normalzinha em casa sem sentir nenhuma pena ou ódio disso. Eu menos eu, tentando me subtrair pra poder ser sem dor. Eu sem o peso nas costas, eu leve, eu sem a carga que me fez mais eu do que jamais um dia serei. Eu numa soma de menos apenas pra continuar seguindo sem ser zero. E eu aqui e tanta gente passando por mim do outro lado da rua. Gente que já entrou na minha vida, na minha casa, e mais íntimo e sufocado que isso: na minha alma. Desconhecidos conhecidos que me conhecem bem, e ao mesmo tempo, não. Gente de carne e osso, vestidas com uma capa preta maldita, fúnebre e transparente. Porque quando é você lá e eu aqui e eu uso essa capa preta, me sinto nua mesmo assim. Porque a gente outro dia estava tomando sorvete feliz e você fazendo cara de nojo pra mim. E só porque eu odiava aquela cara de nojo mas amava você. Amava tanto você que não cabia no meu peito, e agora tenho nojo. E você mais um, menos um, e ainda assim você mais do que ninguém. Porque quando eu saí correndo na rua e você tomou os meus pulsos, dizendo que nunca me deixaria sozinha. Porque você foi embora e me deu as costas sem sentir nenhuma pena disso. E eu te amava sem sentir pena de nada. Dois extremos da vida. Os dois lados da moeda. Você costumava brincar disso. Deu coroa, meu chapa. Pena que dessa vez não teve graça. Eu aqui e você aí. E eu nua a olhar pra mais um desconhecido conhecido. Daqueles que um dia foram únicos e daí viraram pó. Eu nua achando engraçado e triste. E eles, vestidos, se cobrindo em vão. Puros, cobertos e sujos. E eu aqui sem entender. Nunca entendi, e graças a Deus, nunca irei. Mas aceito, então, já que foi a única coisa que me restou. Eu meio chorando, meio rindo, olhando, pela centésima vez, um desconhecido conhecido do outro lado da rua. Esse sim, posso dizer, o único ódio que eu sinto: eu nua, vestida da cabeça aos pés, mais uma vez.

"A vida seguiu tão normalzinha, eu falei pra minha analista. Tanto que você tá estranhando, ela respondeu. É. Sorrimos sem intensidade e duração, da casca que agora separava meu sangue de salivas. São águas que correm paralelas com uma pele no meio. Ela só disse 'olha que bom' e ser tratada como uma pessoa não foi mais tão horrível. " Tati Bernardi

terça-feira, 30 de julho de 2013

Frio

Na última segunda-feira quando nos encontramos, eu cheguei em casa como se tivesse levado uma surra. Depois de 2 anos e meio, longos, por sinal, eu finalmente tive a minha chance. Depois de terminar o meu primeiro e conturbado namoro, eu não sei o que me deu para procurar você no meio da madrugada. Eu não fazia ideia se você estava com raiva, triste, entorpecido, feliz, ou se simplesmente tinha esquecido o meu nome, mas resolvi te chamar. Como já dizia a minha psicóloga, é como apostar na mega sena. E você, justo você, que raramente perdoa as pessoas, me recebeu de braços abertos quando o que eu mais precisava era alguém pra conversar, apenas isso, alguém que me entendesse, e que pessoa pra fazer isso melhor do que você? Você, que conseguiu me ver mais do que muita gente que tentou bastante. Você disse que achava que me amava, mas eu tenho certeza que não. Você nunca me amou porque você jamais seria capaz de amar alguém o quanto você ama a si mesmo. Isso não é uma ofensa, sempre gritei pra quem quisesse ouvir que você pode ter todos os defeitos do mundo e ainda assim é melhor do que o resto do mundo. É só que eu desacreditei tanto das coisas, das pessoas, a ponto de me perguntar se tudo isso que me rodeia é real. É só que eu sabia que tinha te procurado só pra preencher esse vazio imenso da falta de sonhos e de amor na minha vida, e eu tenho plena noção de que você sabe disso, e mesmo assim você me recebeu tão bem, como se eu nunca tivesse partido. E eu sempre volto porque sou vaidosa também e eu gosto de ouvir promessas vazias, restos de amor, restos de bebida, restos de cigarro. Eu sempre gostei dos restos desde que eles fossem restos vindos de você. Somos como fogo e pólvora e eu não sei até que ponto isso nos aproxima ou nos afasta. Acho que talvez os dois, na mesma proporção e intensidade. A questão é que você me ligou naquela noite vazia e começamos a fazer planos para quando namorarmos, casarmos e tivermos nossos três filhos: o Henrique (egocêntrico que você é), Guilherme e Clarice. E eu discutindo com você sobre como eles seriam educados. E eu me senti, senão feliz, ao menos satisfeita porque aquele restinho de esperança era o que eu precisava e eu sempre me agarrei demais à possibilidade de que um dia ficaríamos juntos. Os dias passavam e eu sempre tive a certeza que era você. E antes de te encontrar minha psicóloga ainda disse que só se casou com o marido anos depois de conhecê-lo, que toda vez que eles se encontravam ela pensava: “é ele, mas não é agora” e eu saí de lá pensando quando seria a hora pra mim. Parece que é sempre a hora errada. Enfim, eu fiquei sentada te esperando quase tendo um troço de ansiedade. Eu só queria te olhar, eu só fui porque eu queria te olhar e ver o que eu sentiria. E eu te esperei, eu sempre te esperei. Quando você chegou eu não soube o que dizer, te ofereci as balinhas que minha psicóloga tinha mandado te dar e me senti como uma criança de 11 anos. Tempos que meu coração não parecia sair pela boca quase. Sempre esse maldito quase. E a gente sentou e começou a conversar e as horas passando e passando e passando e eu não tinha olhado uma vez no relógio. Tomei trauma de todo o tempo que passou devagar sem eu estar ao seu lado. E pela primeira vez, raiva do tempo que passou rápido por eu estar ao seu lado. Você tinha mudado um pouco, estava mais forte, com uma barba crescendo ligeira, mas suas mãos continuavam quentes, seus planos diabólicos eram os mesmos, porém com maior ironia e ódio, e os seus olhos continuavam iguais. Duas pedras negras e brilhantes. Seus olhos, que antes me desviavam o foco, me tiravam do meu lugar e me faziam perder o ar, pela primeira vez, estavam inexpressivos. Ou se não inexpressivos, não faziam, nem por um segundo, o meu coração bater mais forte. Só que conforme os minutos passavam eu ia ficando mais calada, e você continuou falando, você sempre falou por nós dois, e o silêncio, naquele momento, pela primeira vez, foi um pouco desconfortável. Acho que a parte mais triste do amor é quando ele acaba. Pior, quando acaba sem ser. Os segundos passavam e eu ia ficando mais triste porque eu tive certeza de que o tempo finalmente tinha me vencido. Dois anos e meio foram tempo demais pra um coração, pobre coração, que sempre quis te mostrar que era suficiente pra você, que era bom pra você. Eu que sempre quis arrumar a sua vida não consegui nem arrumar a minha. Que vergonha. O tempo me venceu e eu nem reclamei. Cheguei em casa parecendo que tinha levado uma surra porque minhas energias tinham sido esgotadas. Parecia que eu tinha apanhado do tempo, porque eu jurava que iria te amar pra sempre. Eu jurava que você era a pessoa pra mim e pela primeira vez eu duvidei das minhas próprias certezas. Eu não saí de lá com o coração pesado como costumava ficar, eu saí de lá sem sentir o meu coração, porque ver você me fez lembrar de todo o sofrimento, de todo o sentimento, ou finalmente da falta dele. O maior problema de todos é que você não tinha mudado: você ainda é o mesmo menino sem os braços fortes e que sempre teve o melhor abraço do mundo que eu conheci há algum tempo. Você não tinha mudado, o que significava que eu ainda deveria te amar, foi o que me jurei ao menos. O que mais doeu em mim foi perceber que eu não te amava mais porque você continuava o mesmo, e eu, não. Quem tinha mudado era eu. E eu não consigo mais sentir. A parte mais triste do amor é quando ele vai embora sem ter sido. Vai ver porque eu aprendi tanto a não esperar nada de você, que quando você realmente tinha alguma coisa pra me oferecer, eu não consegui esperar grandes coisas. Eu sempre gostei dos seus restos e quando finalmente você não era pra mim um resto e sim você inteiro, eu não quis mais. Eu quis tanto você nesses últimos anos que quando eu finalmente tive a oportunidade de ter você pra mim, eu já não queria mais. Eu sentia meu amor por você aumentar a cada promessa que você não cumpria, mas, que engraçado, hoje você nem prometeu nada e ele finalmente acabou. Acabou quando eu não perdi mais o ar ao olhar pra você. Você não tinha mudado, quem tinha mudado era eu. Eu voltei pra casa como se tivesse levado uma surra e me sentindo uma desconhecida em meu próprio corpo quando me dei conta de que não sentia mais nada. Esse sentimento sempre fez parte de mim, e quando finalmente ele deixou de existir e eu finalmente me dei conta disso, foi a noite em que eu parecia não existir também. Não doeu, mas ainda sim foi como se eu tivesse levado uma surra. Foi como se tivessem dividido a minha alma em mil pedaços. Mas, pela primeira vez, em dois anos e meio, eu fui embora sentindo frio e deixei você esperando o táxi. Eu fui embora antes de você. Fui embora morrendo de frio, mas pela primeira vez em dois anos, não sabia se fazia mais frio fora ou dentro de mim.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Sobre vender a alma ao diabo (últimas semanas)

Acho que é a primeira vez em muitos dias que eu escrevo com a porta aberta e as luzes acesas. Pra falar a verdade isso não faz muito diferença, é só um detalhe, mas como é de detalhes que se vive, achei legal começar o texto assim. Pra falar a verdade, não. Tenho grandes dificuldades em me decidir, em começar, em recomeçar, em todas essas coisas que exigem um grande ar, grande fôlego, grande motivação. Eu sou a pessoa mais exagerada do mundo e mesmo assim eu detesto esses exageros que todo mundo faz questão que a gente tenha pra sair do mesmo lugar. Chega um momento na vida em que ninguém consegue mais ficar deitado na cama olhando pro teto. Nem que seja morrer, nem que seja enlouquecer, mas ficar ali não. É claro que nem todos se levantam, mas ninguém gosta de ficar ali, preso, estancado, vendo todo mundo seguir suas vidas, e você, parado no tempo, olhando pro nada, sentindo o nada, vivendo o nada. O nada é grande demais pra ser nada. O nada é muita coisa. O nada não deixa nem a gente chorar em paz. É o inferno. As pessoas acham que o nada não existe, mas o nada possui cor e forma e cheiro e som. O nada é um monte de espíritos ruins vagando pela sua cama, pela sua mente, pelo seu coração. O nada é só o que rodeia o próprio nada. É aquilo que a gente não consegue definir e sentir e explicar pra alguém e por isso vai ficando tão difícil abrir a boca pra sair alguma palavra. O nada rouba a voz. O sossego. É por isso que eu sempre disse em alto e bom som pra todo mundo que quisesse ouvir que entre o nada e a tristeza, eu ainda prefiro a boa e velha amiga que eu aprendi a chamar de tristeza. Ela é desoladora, mas fiel, sabe rir de si mesma. É um quebra-cabeça de 5, 10 peças. Ficar triste é quase como ser feliz. É simples. Agora tente sair do nada, se livrar do nada. É a mesma coisa que tentar montar um quebra-cabeça com peças que não existem. Pior do que isso, é montar o quebra-cabeça inteiro e no final descobrir que a caixa veio com uma peça faltando. É ruim, frustrante, é todo um esforço desperdiçado em cima de uma coisa que não tem olhos, boca, ouvidos. Como sentir uma dor dilacerante no peito e não saber quem enfiou a faca. É olhar e não ver um criminoso. É ter um saco de moedas de ouro roubado e não ter pra quem denunciar.  Porque o culpado é você mesmo. É esse nada que vira tudo e te arrasta junto pra um buraco que não existe e que é maior que o universo. Dá vontade de chorar, mas o nada é como um pai maldito e autoritário que te manda calar a boca. O nada não te dá opção: ele te rouba e vira você. E aí não adianta gritar, espernear, mostrar o dedo do meio pro mundo, se culpar, culpar os outros, odiar você, odiar a si mesmo, sentir ódio da vida. Nada disso é permitido porque tudo isso seria muito menos do que é. O nada te anula até você virar nada. Você é anulado por uma força infinitamente maior do que você e mesmo assim, tão pequena que não tem nem nome. É uma difusão de dois mundos que não podem ser tocados com a palma das mãos. É quase como vender a alma ao diabo. É isso, você vende sua alma a troco de não sentir nada, não pensar em nada, não ouvir nada, não dizer nada. Você morre e nem é velado pra descansar em paz. E as pessoas nem te olham mais. O olhar delas não chega a você porque você não existe mais. E todo mundo espera que você faça algo, que você se mexa, saia do lugar, busque ajuda, mas você não existe mais. É o grande nada que você se tornou. E como dizer isso pras pessoas? Não há o que ser dito. Quando tentei falar, não reconheci minha voz. Quando tentei chorar, as lágrimas não eram minhas. Tudo tinha sumido pra um lugar tão fora do meu corpo que eu fiquei sem saber onde eu tinha ido parar. O corpo fica, um corpo meio morto, acabado, triste, longe, vazio, oco. E a alma vai embora. Tinha sido vendida. É difícil de explicar e as pessoas discriminam muito. Nem se eu colocasse aqui em mil palavras seria compreensível a alguém que nunca viveu algo semelhante. Alguém que nunca vivenciou a força avassaladora que te leva pra longe de você mesmo. E começar a achar que você não precisa ser salvo porque tanto faz estar vivo ou estar morto. Mas todos nós merecemos salvação. Todos precisamos ser resgatados desse devaneio. Um conselho que eu lhe dou: não venda a sua alma ao diabo. Mas se você vender, talvez dê sorte de anjos virem a seu socorro. E eu achando que nunca tinha tido sorte.


Ainda juntando os cacos. (minha visão anda melhorando)

quarta-feira, 17 de julho de 2013

O amor é um cão dos diabos



3 minutos
Leva tempo demais qualquer coisa
Nessa casa em que os relógios não param um segundo

Faz meses que eu estou esperando
E nem fez frio hoje
O amor é um cão dos diabos, Charles

O amor dura 3 minutos
Martelando nos meus ouvidos bem alto
Tudo aquilo que eu não soube dizer

O amor é um cão imundo que deita conosco
E suas presas sorrateiras se arrastam
Em ruídos ranzinzas pelo escuro

Nessa casa em que os relógios não param
Mais 3 minutos e o que mais?
Mais nada

O amor é um cão dos diabos
que nos enrosca, nos cobiça, nos maltrata
O amor é esse cão

Que se suja logo depois de estar limpo
É o cão imundo que rasteja num sorriso quase mudo
Por essa sala vazia

O amor é um cão dos diabos
Que cheio de pulgas se coça
Expondo a pele cheia de rasgos e de feiuras

Só mais 3 minutos
Basta esperar
Ele já vai embora

O amor é um cão dos diabos
Que nos alegra com a sua existência maravilhosa
E morre antes de nos darmos conta
De que realmente passou por aqui

(O amor de Bukowiski tem cheiro de cigarros e gosto de noite)