Na última segunda-feira quando nos encontramos, eu cheguei
em casa como se tivesse levado uma surra. Depois de 2 anos e meio, longos, por
sinal, eu finalmente tive a minha chance. Depois de terminar o meu primeiro e
conturbado namoro, eu não sei o que me deu para procurar você no meio da
madrugada. Eu não fazia ideia se você estava com raiva, triste, entorpecido,
feliz, ou se simplesmente tinha esquecido o meu nome, mas resolvi te chamar.
Como já dizia a minha psicóloga, é como apostar na mega sena. E você, justo
você, que raramente perdoa as pessoas, me recebeu de braços abertos quando o
que eu mais precisava era alguém pra conversar, apenas isso, alguém que me
entendesse, e que pessoa pra fazer isso melhor do que você? Você, que conseguiu
me ver mais do que muita gente que tentou bastante. Você disse que achava que
me amava, mas eu tenho certeza que não. Você nunca me amou porque você jamais
seria capaz de amar alguém o quanto você ama a si mesmo. Isso não é uma ofensa,
sempre gritei pra quem quisesse ouvir que você pode ter todos os defeitos do
mundo e ainda assim é melhor do que o resto do mundo. É só que eu desacreditei
tanto das coisas, das pessoas, a ponto de me perguntar se tudo isso que me
rodeia é real. É só que eu sabia que tinha te procurado só pra preencher esse
vazio imenso da falta de sonhos e de amor na minha vida, e eu tenho plena noção
de que você sabe disso, e mesmo assim você me recebeu tão bem, como se eu nunca
tivesse partido. E eu sempre volto porque sou vaidosa também e eu gosto de
ouvir promessas vazias, restos de amor, restos de bebida, restos de cigarro. Eu
sempre gostei dos restos desde que eles fossem restos vindos de você. Somos
como fogo e pólvora e eu não sei até que ponto isso nos aproxima ou nos afasta.
Acho que talvez os dois, na mesma proporção e intensidade. A questão é que você
me ligou naquela noite vazia e começamos a fazer planos para quando namorarmos,
casarmos e tivermos nossos três filhos: o Henrique (egocêntrico que você é),
Guilherme e Clarice. E eu discutindo com você sobre como eles seriam educados.
E eu me senti, senão feliz, ao menos satisfeita porque aquele restinho de
esperança era o que eu precisava e eu sempre me agarrei demais à possibilidade
de que um dia ficaríamos juntos. Os dias passavam e eu sempre tive a certeza
que era você. E antes de te encontrar minha psicóloga ainda disse que só se
casou com o marido anos depois de conhecê-lo, que toda vez que eles se
encontravam ela pensava: “é ele, mas não é agora” e eu saí de lá pensando
quando seria a hora pra mim. Parece que é sempre a hora errada. Enfim, eu
fiquei sentada te esperando quase tendo um troço de ansiedade. Eu só queria te
olhar, eu só fui porque eu queria te olhar e ver o que eu sentiria. E eu te
esperei, eu sempre te esperei. Quando você chegou eu não soube o que dizer, te
ofereci as balinhas que minha psicóloga tinha mandado te dar e me senti como
uma criança de 11 anos. Tempos que meu coração não parecia sair pela boca
quase. Sempre esse maldito quase. E a gente sentou e começou a conversar e as
horas passando e passando e passando e eu não tinha olhado uma vez no relógio.
Tomei trauma de todo o tempo que passou devagar sem eu estar ao seu lado. E
pela primeira vez, raiva do tempo que passou rápido por eu estar ao seu lado.
Você tinha mudado um pouco, estava mais forte, com uma barba crescendo ligeira,
mas suas mãos continuavam quentes, seus planos diabólicos eram os mesmos, porém
com maior ironia e ódio, e os seus olhos continuavam iguais. Duas pedras negras
e brilhantes. Seus olhos, que antes me desviavam o foco, me tiravam do meu
lugar e me faziam perder o ar, pela primeira vez, estavam inexpressivos. Ou se
não inexpressivos, não faziam, nem por um segundo, o meu coração bater mais
forte. Só que conforme os minutos passavam eu ia ficando mais calada, e você continuou falando, você sempre falou por nós dois, e o silêncio, naquele
momento, pela primeira vez, foi um pouco desconfortável. Acho que a parte mais
triste do amor é quando ele acaba. Pior, quando acaba sem ser. Os segundos passavam
e eu ia ficando mais triste porque eu tive certeza de que o tempo finalmente
tinha me vencido. Dois anos e meio foram tempo demais pra um coração, pobre
coração, que sempre quis te mostrar que era suficiente pra você, que era bom
pra você. Eu que sempre quis arrumar a sua vida não consegui nem arrumar a
minha. Que vergonha. O tempo me venceu e eu nem reclamei. Cheguei em casa
parecendo que tinha levado uma surra porque minhas energias tinham sido
esgotadas. Parecia que eu tinha apanhado do tempo, porque eu jurava que iria te
amar pra sempre. Eu jurava que você era a pessoa pra mim e pela primeira vez eu
duvidei das minhas próprias certezas. Eu não saí de lá com o coração pesado
como costumava ficar, eu saí de lá sem sentir o meu coração, porque ver você me
fez lembrar de todo o sofrimento, de todo o sentimento, ou finalmente da falta
dele. O maior problema de todos é que você não tinha mudado: você ainda é o
mesmo menino sem os braços fortes e que sempre teve o melhor abraço do mundo
que eu conheci há algum tempo. Você não
tinha mudado, o que significava que eu ainda deveria te amar, foi o que me
jurei ao menos. O que mais doeu em mim foi perceber que eu não te amava mais porque
você continuava o mesmo, e eu, não. Quem tinha mudado era eu. E eu não consigo
mais sentir. A parte mais triste do amor é quando ele vai embora sem ter sido.
Vai ver porque eu aprendi tanto a não esperar nada de você, que quando você
realmente tinha alguma coisa pra me oferecer, eu não consegui esperar grandes
coisas. Eu sempre gostei dos seus restos e quando finalmente você não era pra
mim um resto e sim você inteiro, eu não quis mais. Eu quis tanto você nesses
últimos anos que quando eu finalmente tive a oportunidade de ter você pra mim,
eu já não queria mais. Eu sentia meu amor por você aumentar a cada promessa que
você não cumpria, mas, que engraçado, hoje você nem prometeu nada e ele
finalmente acabou. Acabou quando eu não perdi mais o ar ao olhar pra você. Você
não tinha mudado, quem tinha mudado era eu. Eu voltei pra casa como se tivesse
levado uma surra e me sentindo uma desconhecida em meu próprio corpo quando me
dei conta de que não sentia mais nada. Esse sentimento sempre fez parte de mim,
e quando finalmente ele deixou de existir e eu finalmente me dei conta disso,
foi a noite em que eu parecia não existir também. Não doeu, mas ainda sim foi
como se eu tivesse levado uma surra. Foi como se tivessem dividido a minha alma
em mil pedaços. Mas, pela primeira vez, em dois
anos e meio, eu fui embora sentindo frio e deixei você esperando o táxi. Eu fui
embora antes de você. Fui embora morrendo de frio, mas pela primeira vez em
dois anos, não sabia se fazia mais frio fora ou dentro de mim.
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