Quando o amor acaba, pra onde vai? Pra onde se vai? Por que se fica? Quando o amor acaba, por que continuamos tomando café da manhã, comentando do acidente da rua tal, comprando jornal, saindo pra dar uma volta? Quando o amor não volta, pra onde se vai o ar pra "dar uma volta"? Os garfos e as facas. Tudo no mesmo lugar. E que chave usamos pra trancar o caos? Por que não fazemos um funeral, luto a esse amor mais um que morreu. É que tanto faz o funeral ou não, tudo é a mesma coisa. Não tem ninguém querendo assistir o luto. Por isso continuamos dormindo, comendo pão, saindo pra dar uma volta. E pra onde o amor vai? De volta pro amor. Pro pão, pro jornal, pras calçadas. A gente vai pisando no amor dos outros. E se vai por aí. O amor é uma corrente de ar. Quando acaba vamos pra rua procurando outra pra respirar normalmente. E aí não se fica em lugar nenhum.
"A verdade? É uma coisa exterior? Não posso ter a certeza dela, porque não é uma sensação minha, e eu só destas tenho certeza." Fernando Pessoa
terça-feira, 28 de janeiro de 2014
Curtinho
Quando o amor acaba, pra onde vai? Pra onde se vai? Por que se fica? Quando o amor acaba, por que continuamos tomando café da manhã, comentando do acidente da rua tal, comprando jornal, saindo pra dar uma volta? Quando o amor não volta, pra onde se vai o ar pra "dar uma volta"? Os garfos e as facas. Tudo no mesmo lugar. E que chave usamos pra trancar o caos? Por que não fazemos um funeral, luto a esse amor mais um que morreu. É que tanto faz o funeral ou não, tudo é a mesma coisa. Não tem ninguém querendo assistir o luto. Por isso continuamos dormindo, comendo pão, saindo pra dar uma volta. E pra onde o amor vai? De volta pro amor. Pro pão, pro jornal, pras calçadas. A gente vai pisando no amor dos outros. E se vai por aí. O amor é uma corrente de ar. Quando acaba vamos pra rua procurando outra pra respirar normalmente. E aí não se fica em lugar nenhum.
quinta-feira, 16 de janeiro de 2014
A paz do freezer e pensamentos aleatórios
Então a vida é como o freezer e ficar olhando pros gelinhos grudando nos cantos. O gelo está sempre ali e ali e ali. E eu gosto dessa facilidade que existe: se ele vira água a culpa não cai sobre ele, a maldita culpa. Se ele fica no freezer, nenhuma mudança, ótimo. Um gelo não sente frio, o gelo É o frio, então a vida é simples como um gelinho idiota olhando pra mim com cara de nada, porque um gelo é um monte de nada que vira água e depois evapora, aí vira um monte de nada nada nada e depois vira água de novo. Inútil. Mas confortável. Não existem muitas opções, é sua natureza. Eu queria ser um gelinho, porque olhando ali, meio abobada, meio reflexiva, com a cara dentro do freezer aberto e sentindo um absurdo prazer de pensar que a vida é todo o gelo ali, as coisas como são e ninguém poder fazer nada porque o frio da vida é a própria vida. E a natureza de tudo está na própria natureza de tudo. E me senti como um gelo derretendo lentamente, asfixiando dentro de um copo de refrigerante, e leve leve leve leve, querendo voltar pra paz do freezer. Porque lá as coisas vivem antes de morrerem de novo. E porque lá o tempo para, mesmo eu não acreditando muito nesse negócio de tempo. E lá você é um gelinho, nada de especial, ninguém pra ser, nenhuma obrigação de ser nada, além daquilo grudando nas paredes, nada de luz do sol. Ninguém quer derreter. Mas o gelo pode ressuscitar e eu gostaria de acreditar que não, que a gente pudesse ficar pra sempre e sempre e sempre dentro do freezer. Parados no tempo, no espaço, com qualquer idiota olhando pra gente e a gente não sendo nada. E não se sente frio. E não se sente o calor porque o calor não existe, é a falta do gelo próprio. Aí a pedrinha derrete e nem sente calor, vira calor, um frio a menos. E todo o resto suando e água por aí virando gelo de novo. A paz do freezer. E a gente sempre se transformando em alguma coisa e voltando a ser o que era. E o ciclo todo se repete e nada da paz mundial, só a paz do freezer e de cada um sendo o frio do seu próprio gelo. E nada.
sábado, 4 de janeiro de 2014
O motivo (a falta dele)
Eu vejo uma garotinha parada à minha frente. Pequena e
indefesa, mas parece bloquear o caminho. Olho pra ela. Ela olha pra mim como se
eu não estivesse ali. E a gente não diz, mas se entende. Não saberia dizer
quantos anos ela tinha. Cada vez que eu piscava, ela parecia uma menina diferente.
Ora sorridente, ora com uma melancolia estranha nos olhos. Parecia tão pequena
e andava por aí como se fosse grande. Jovem, criança, um abismo no mundo.
Pulava pra saber se podia voar ou pulava pra saber se a queda doía. No fundo
sempre quis saber o que existia do outro lado. Seja qual for. Ela não me
contou, mas eu soube. Aquela menininha ali, parada na minha frente, muda, e ao
mesmo tempo com o sorriso mais escandalizado do mundo, divertindo a todos com
aquela graça e jeito de ser. Sabia muito da vida, mas a vida não sabia nada
dela. Ninguém sabia. Os dias mudaram e ela foi tentando se moldar ao que queria
ser. Não deu certo, eu acho. Durante muito tempo tudo que ela soube fazer era
deixar os outros felizes. Deixar que rissem dela, e rindo dela mesma. O
problema é: quem saia ganhando e quem perdendo? Com o tempo o riso escandalizado
perdeu o sentido. Do que ela tanto ria? Ria sempre e sempre e sempre. Não tinha
fim. A vida não era tão engraçada assim, no final das contas. E agradar as
pessoas tornou-se desagradável. Por quê? Pra quê? No fundo nenhuma daquelas
pessoas sabia quem ela era. Daquele abismo de gente. Ou pula, ou pula. Sem
opção. A vida era boa demais pra ela ficar sempre no mesmo lugar. E o resto do
mundo? E o resto das pessoas? Talvez por isso risse tanto. De nervoso. De
dúvida. O mundo do nada era grande demais e as pessoas muito imprevisíveis.
Será que riam dela porque ela era engraçada? Será que ela era mesmo louca como
todo mundo dizia? Ou será que riam dela porque ela era diferente das outras
pessoas, porque talvez, pra gostarem dela, ela tinha de promover bizarrices?
Seria que ela queria ser a louca, a engraçada o resto da vida? Do que servia
isso tudo? Não queria ser diferente. Queria ser igual a todo mundo. Não ter que
impressionar ninguém com suas bizarrices pra se sentir amada. Aquilo nem era
amor. As pessoas, os amigos, a usavam pra se divertir. Inesgotável fonte de
diversão. Riso na certa. E? Nem tudo é tão engraçado. Não era legal ter todo
mundo rindo dela 100% do tempo. Pra quê? Por quê? O mundo era grande demais e
ela parou de rir de si mesma. Não tem graça. Não tem graça. Eu não tenho graça.
Essas pessoas não riem para mim, elas riem de mim, pensava. Será que era mesmo
bizarra ou será que tinha aprendido a ser assim, o assim era mais cômodo,
porque assim todo mundo a achava o máximo, e talvez ela não fosse nada daquilo.
Ou pelo menos aquilo não fosse tudo que ela era. Uma risada ambulante. Um
caminhão de lixo. Risada. A merda do mundo. Risada. Olha aquela ali. Risada.
Olha pra mim. Risada. Vamos deixar a louca ali sozinha e fingir que a gente sumiu.
Risada. Vamos pregar uma peça com a menina bizarra, ela nunca se importa. Mas
um dia ela se tocou que não queria ser assim pra sempre. Tinha mais pra dizer
do que o som inexpressivo de um riso maximizado pela falta de resposta dizia.
Eu olho pra essa menininha, parada à minha frente. Ela não pode me ver, ela não sabia que um dia eu existiria, ela não faz ideia de quem eu sou hoje. Ela não pode me ver. Mas ela ri de mim.
Porque talvez.
Eu não seja hoje.
O que ela tanto queria que eu fosse.
Porque talvez eu não tenha conseguido voar quando resolvi pular do abismo.
Talvez porque.
A menininha ria tanto.
Que eu cansei de rir sem vontade.
Não sou obrigada.
E talvez eu não seja hoje o que ela sempre quis que eu fosse, talvez não tenha conseguido tantas coisas, conquistado tantas coisas. Ou talvez eu tenha. Ela não me vê, mas ri de mim. Ri fielmente de mim. Um riso escandalizado. A cidade toda parou pra ver. Ela rindo de mim. Como se eu não fosse parte dela. Como se fosse uma parte de mim que nunca tivesse existido. Como se ela não soubesse que eu um dia existiria. Porque ela não sabia. E eu rio dela, um riso escandalizado que a cidade toda parou pra ver também. E eu rio dela porque ela ria tanto do mundo o tempo todo e das pessoas o tempo todo e distribuía sorrisos e eles eram inúteis e hoje nada tem tanta graça e o mundo não tem mais graça e eu não tenho mais graça. Não consigo rir de mim, eu só rio dela por pensar que talvez, um dia, eu fosse rir de mim mesma de verdade. Um sorriso verdadeiro, de orgulho, porque eu desvendei o mistério do mundo, porque eu fiquei grande, porque eu nunca mais seria a menininha que deixava os outros rirem dela. Eu nunca deixei mesmo. Mas também nunca mais ri de mim, alegre, sem saber, porque eu era bizarra, porque eu era louca, e mesmo que eu fosse bizarra e louca pra minha idade eu via um mundo que as pessoas não viam. Um mundo mágico e não existe porra de mundo mágico nenhum hoje. Porque eu via o mundo com olhos encantados e hoje eu rio sem parar da menina. E ela morre de rir de mim, rola no chão, como nos velhos tempos. Porque talvez eu ainda seja a louca e a bizarra pras pessoas, mas hoje porque eu vejo o mundo cheio de detalhes, de forma minuciosa. O mundo do jeito que ele é. Do jeito que ele é pra mim. Não um mundo mágico como antes. Só o mundo que me reflete. E eu rio do mundo, e ele ri de mim. E eu rio da menininha, e ela ri de mim. Porque ela não sabia que um dia eu existiria, mas eu sei que ela sempre vai existir. Porque ela era louca, bizarra, e esperta. E talvez porque eu não tenha mudado tanto. Só tenha parado de rir de tudo. No fundo eu só queria que as pessoas me levassem à sério, prestassem mais atenção em mim e não em qualquer uma que eu estivesse aprontando.
Talvez.
Talvez.
Talvez.
Eu nem sei se ela gosta de mim. Ela nem olha mais pra mim. Me esqueceu antes de me conhecer.
E vai dando essa hora.
Aí eu nem sei.
Eu era a menina que ria de tudo.
A menina que achava uma tremenda graça no mundo.
E hoje eu sou a menina que busca alguma graça no mundo.
Usei toda a graça de uma vida toda na infância e descobri que o mundo não era tão mágico assim como era pra todo mundo naquela época antes.
E hoje minha alma é velha. Cansada do mundo. Gastei a graça toda.
Era tão louca e bizarra por achar o mundo o lugar mais engraçado.
E hoje sou louca e bizarra por não conseguir achar muita graça no mundo.
Na fome. Nas crianças. Nas mulheres. Nos homens. Nos motivos.
Na falta deles.
Eu não tenho um motivo pra ter deixado de achar graça no mundo: eu virei um espelho do mundo. Eu não queria achar mais graça de mim pelo fato de que todo mundo sempre achava graça de mim e o mundo ficou sem cor. Sem som. Sem graça. Sem porra nenhuma.
Porque a fome e as ruas sujas e os caminhões de lixo e toda a podridão do mundo.
Não tem nada de engraçado aqui nesse planeta Terra.
Eu percebi antes de todo mundo.
Vai dando essa hora.
E eu nem sei.
E eu não tenho um motivo. E todo mundo quer a merda do motivo e eu tenho vontade de mandar todo mundo pra puta que o pariu porque o mundo perdeu a graça pra mim antes de ter perdido pra todo mundo. E eu sempre estou dois passos à frente na desgraça desse lugar, na desgraça de mim e do mundo. Ri demais. Ri muito. Descontroladamente. As pessoas me achavam o máximo por isso. Ninguém me acha o máximo agora. E eu prefiro assim. Porque assim eu posso ser eu. Aquilo que a menina nunca foi. Talvez fosse isso que ela queria que eu me tornasse. Como eu poderia saber? Alguém tinha que receber a culpa dela ser tão diferente, de ninguém a compreender, de ser um balão inflável que só incha pra dentro e pra dentro e pra dentro. Quem recebeu a culpa fui eu. E eu aceito numa boa. Sempre foi minha. A culpa e a felicidade. O riso e a angústia. Duas partes de mim, o passado e o presente.
Porque vai dando essa hora.
E eu nem sei.
Porque a angústia me apunhala pelas costas.
Como se eu sempre estivesse esperando ela me atacar e me jogar na cama e ficar por lá.
Como se eu soubesse que a angústia é o peso que se paga por rir tanto.
O preço que se paga por querer saber tanto.
Por saber tanto.
E por sofrer tanto.
Porque ninguém tem o direito de ser infeliz.
Porque no fundo a menina sabia que só sendo feliz e alegre e fazendo todo mundo feliz e alegre pra ser amada.
Porque ninguém ama um abismo de gente.
Porque ninguém chega a conhecer o outro lado do abismo.
A menos que pule.
É o preço que se paga por ter rido tanto.
Se quem ri por último ri melhor eu nunca vou saber.
Porque eu ri primeiro de todo mundo saber.
E como.
Ainda escuto aquele som.
Distante.
Do outro lado do abismo.
Olhando pra mim.
Rindo pra mim.
Me chamando.
Mas eu não vou. Eu nunca vou.
Eu acho que eu não quero mais saber o que tem do outro lado.
Eu sou o outro lado.
E graças a Deus nunca mais vou rir de tudo e deixar as pessoas rirem de mim.
No fundo eu só queria a ingenuidade de novo. Eu olho pra essa menininha, parada à minha frente. Ela não pode me ver, ela não sabia que um dia eu existiria, ela não faz ideia de quem eu sou hoje. Ela não pode me ver. Mas ela ri de mim.
Porque talvez.
Eu não seja hoje.
O que ela tanto queria que eu fosse.
Porque talvez eu não tenha conseguido voar quando resolvi pular do abismo.
Talvez porque.
A menininha ria tanto.
Que eu cansei de rir sem vontade.
Não sou obrigada.
E talvez eu não seja hoje o que ela sempre quis que eu fosse, talvez não tenha conseguido tantas coisas, conquistado tantas coisas. Ou talvez eu tenha. Ela não me vê, mas ri de mim. Ri fielmente de mim. Um riso escandalizado. A cidade toda parou pra ver. Ela rindo de mim. Como se eu não fosse parte dela. Como se fosse uma parte de mim que nunca tivesse existido. Como se ela não soubesse que eu um dia existiria. Porque ela não sabia. E eu rio dela, um riso escandalizado que a cidade toda parou pra ver também. E eu rio dela porque ela ria tanto do mundo o tempo todo e das pessoas o tempo todo e distribuía sorrisos e eles eram inúteis e hoje nada tem tanta graça e o mundo não tem mais graça e eu não tenho mais graça. Não consigo rir de mim, eu só rio dela por pensar que talvez, um dia, eu fosse rir de mim mesma de verdade. Um sorriso verdadeiro, de orgulho, porque eu desvendei o mistério do mundo, porque eu fiquei grande, porque eu nunca mais seria a menininha que deixava os outros rirem dela. Eu nunca deixei mesmo. Mas também nunca mais ri de mim, alegre, sem saber, porque eu era bizarra, porque eu era louca, e mesmo que eu fosse bizarra e louca pra minha idade eu via um mundo que as pessoas não viam. Um mundo mágico e não existe porra de mundo mágico nenhum hoje. Porque eu via o mundo com olhos encantados e hoje eu rio sem parar da menina. E ela morre de rir de mim, rola no chão, como nos velhos tempos. Porque talvez eu ainda seja a louca e a bizarra pras pessoas, mas hoje porque eu vejo o mundo cheio de detalhes, de forma minuciosa. O mundo do jeito que ele é. Do jeito que ele é pra mim. Não um mundo mágico como antes. Só o mundo que me reflete. E eu rio do mundo, e ele ri de mim. E eu rio da menininha, e ela ri de mim. Porque ela não sabia que um dia eu existiria, mas eu sei que ela sempre vai existir. Porque ela era louca, bizarra, e esperta. E talvez porque eu não tenha mudado tanto. Só tenha parado de rir de tudo. No fundo eu só queria que as pessoas me levassem à sério, prestassem mais atenção em mim e não em qualquer uma que eu estivesse aprontando.
Talvez.
Talvez.
Talvez.
Eu nem sei se ela gosta de mim. Ela nem olha mais pra mim. Me esqueceu antes de me conhecer.
E vai dando essa hora.
Aí eu nem sei.
Eu era a menina que ria de tudo.
A menina que achava uma tremenda graça no mundo.
E hoje eu sou a menina que busca alguma graça no mundo.
Usei toda a graça de uma vida toda na infância e descobri que o mundo não era tão mágico assim como era pra todo mundo naquela época antes.
E hoje minha alma é velha. Cansada do mundo. Gastei a graça toda.
Era tão louca e bizarra por achar o mundo o lugar mais engraçado.
E hoje sou louca e bizarra por não conseguir achar muita graça no mundo.
Na fome. Nas crianças. Nas mulheres. Nos homens. Nos motivos.
Na falta deles.
Eu não tenho um motivo pra ter deixado de achar graça no mundo: eu virei um espelho do mundo. Eu não queria achar mais graça de mim pelo fato de que todo mundo sempre achava graça de mim e o mundo ficou sem cor. Sem som. Sem graça. Sem porra nenhuma.
Porque a fome e as ruas sujas e os caminhões de lixo e toda a podridão do mundo.
Não tem nada de engraçado aqui nesse planeta Terra.
Eu percebi antes de todo mundo.
Vai dando essa hora.
E eu nem sei.
E eu não tenho um motivo. E todo mundo quer a merda do motivo e eu tenho vontade de mandar todo mundo pra puta que o pariu porque o mundo perdeu a graça pra mim antes de ter perdido pra todo mundo. E eu sempre estou dois passos à frente na desgraça desse lugar, na desgraça de mim e do mundo. Ri demais. Ri muito. Descontroladamente. As pessoas me achavam o máximo por isso. Ninguém me acha o máximo agora. E eu prefiro assim. Porque assim eu posso ser eu. Aquilo que a menina nunca foi. Talvez fosse isso que ela queria que eu me tornasse. Como eu poderia saber? Alguém tinha que receber a culpa dela ser tão diferente, de ninguém a compreender, de ser um balão inflável que só incha pra dentro e pra dentro e pra dentro. Quem recebeu a culpa fui eu. E eu aceito numa boa. Sempre foi minha. A culpa e a felicidade. O riso e a angústia. Duas partes de mim, o passado e o presente.
Porque vai dando essa hora.
E eu nem sei.
Porque a angústia me apunhala pelas costas.
Como se eu sempre estivesse esperando ela me atacar e me jogar na cama e ficar por lá.
Como se eu soubesse que a angústia é o peso que se paga por rir tanto.
O preço que se paga por querer saber tanto.
Por saber tanto.
E por sofrer tanto.
Porque ninguém tem o direito de ser infeliz.
Porque no fundo a menina sabia que só sendo feliz e alegre e fazendo todo mundo feliz e alegre pra ser amada.
Porque ninguém ama um abismo de gente.
Porque ninguém chega a conhecer o outro lado do abismo.
A menos que pule.
É o preço que se paga por ter rido tanto.
Se quem ri por último ri melhor eu nunca vou saber.
Porque eu ri primeiro de todo mundo saber.
E como.
Ainda escuto aquele som.
Distante.
Do outro lado do abismo.
Olhando pra mim.
Rindo pra mim.
Me chamando.
Mas eu não vou. Eu nunca vou.
Eu acho que eu não quero mais saber o que tem do outro lado.
Eu sou o outro lado.
E graças a Deus nunca mais vou rir de tudo e deixar as pessoas rirem de mim.
E me sinto pequena como aquela menina.
E desisto de ser grande.
E fico fraca.
E ela olha pra mim.
A gente se abraça.
A gente vive assim.
Quando eu canso de mim, volto a ser a menina. Quando ela cansa de si mesma, ela sonha em ser eu.
E nós duas saímos ganhando. E nós duas saímos perdendo.
E eu rio dela. E ela ri de mim.
Ninguém ri de nós.
"Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você."
O abismo sou eu.
quarta-feira, 25 de dezembro de 2013
Não-humano
Estou contando os segundos. Parece que o relógio parou de
funcionar. Hoje as coisas só parecem. E passam por mim. Enquanto te espero
(como sempre), dou uma conferida no banheiro, quem sabe você não brotou por
entre as privadas e pias? Olho pra moça da lanchonete como se ela estivesse me
devendo alguma coisa. Eu não sei. Não consigo ficar quieta, senão vou sair
correndo. Tento lembrar quantos anos eu tenho, mas não tenho certeza de nada. O
momento presente me parece distante. Me sinto ridícula olhando o celular toda
hora pra saber o momento exato que você vai chegar. Quase como se pudesse te
ver pro detrás da telinha minúscula. Estou tremendo. Até a medula óssea. Mas
ajo tranquilamente. Tento sorrir pras pessoas. É hoje. Mas hoje parece que já
foi há tanto tempo. Não te vejo faz um tempão. Me sinto ridícula. Repasso
mentalmente. Você já tá no caminho. Se eu sair vazado dessa cadeira desse
shopping vai parecer mais ridículo ainda. Eu quero abrir um buraco no chão e
você nem chegou ainda. E aí você chega.
Ainda dá tempo de sair correndo? Os seus pés são muito lentos até mim e
enfim, você me abraça. Mas seus braços estão muito grandes pra mim. Ainda é melhor
do que nada. Era a minha quase felicidade de sempre misturada com o terror de
sumir nos seus olhos pretos olhos. Quase como se eles fossem sugar qualquer vestígio
de felicidade. Eu tenho medo de você por ter te amado tanto, pelo poder que
você sempre exerceu sobre mim. Eu nem sei se chegou a ser amor, foi quase uma compulsão.
Eu te chamava de paz e você sempre expulsou a paz. Realmente, eu sou uma pessoa
muito estranha. Você levava qualquer resto de vida de dentro de mim ao me
olhar, e eu me sentia tão viva. Tudo sempre foi tão mórbido e delicado. Sou
facilmente atraída por mistérios, mas hoje, aqui, andando no shopping com você,
procurando um banquinho, e você, receoso, como eu, tentando me abraçar pela
cintura, eu sinto que não existe mistério em você. Não existe nada que eu não
saiba, e talvez, por isso, uma tristeza grande tenha se apoderado de mim. Você é humano também, e eu sempre achei que você
era de uma espécie diferente que um dia ia me tirar de todo esse horror da humanidade e ser esquisito comigo.
Porque todos os seus remédios pra dormir. Porque todos os seus planos de
conquistar o mundo de madrugada. Porque sua inteligência pro mal sendo que você
é tão bom. Ou eu achava que sim. Porque você era ridículo e eu achava que tinha
alguma coisa a mais pra descobrir. Mas
não tem mais nada e é isso e é tudo isso e sempre foi isso e eu não quis acreditar.
E vejo os pelos do seu rosto de perto, tão de perto, que não estou mais aqui. E
pego nos seus dedos e não tenho a menor ideia de quem você é porque eu jurava
que um dia você iria ser meu e nem esses instantes são. Tudo está acontecendo
no presente e eu já sinto os momentos correndo pelas minhas veias e artérias e
ventrículos como memórias. E você fala e fala e fala. Sobre você. Sobre suas
histórias engraçadas que não me fazem mais rir. Forço um sorriso e uns
comentários. Você nem os escuta. E fala e fala e fala e fala. Sobre você. Sobre
seus planos vingativos. Sobre sua vida supostamente de merda, mas que você acha
incrível. Sobre você. Sobre seus ótimos amigos. Sobre você. E me dá uma solidão
imensa, mesmo você estando ali segurando a minha mão e às vezes, entre um
silêncio e outro, encostando a boca na minha. Eu acho tudo estranhíssimo. Me
sinto estranha. Sinto o mundo estranho. Está chovendo, eu sinto antes de
chover. E conforme você fala um buraco imenso se abre no meu peito, e vai se
abrindo, se abrindo, vindo das suas palavras inúteis. E quanto mais você fala
mais me dou conta de que
Eu.
Não.
Tenho.
Nada.
Pra.
Dizer.
E me sinto ridícula.
O tempo passou voando e não dissemos nada. Passaram horas. Eu preciso ir. Sempre precisei. E você me diz que o tempo passou voando. É. Eu talvez tenha concordado. Sou carregada pra longe por pássaros. Não escuto nada. Meus pés não tocam o chão. Minhas mãos tocam as suas pálpebras, tentando fechá-las. Seus olhos são um buraco negro e me tiram de mim. Desvendei o mistério e sinto tudo estranho. Você era meu herói, meu não-humano. Um dia eu ia ter alguma coisa legal pra contar dessa relação meio-amizade-meio-paixão-meio-saudade -meio-nada, não ia? E se o nada se parece como um grande buraco negro, como pássaros voando ao longe e vivendo pra sempre sem existir, é assim que eu me sinto. Mas de repente eu não tinha nada pra contar pra você. Nem pra ninguém. Sabe sobre mim ou sobre você ou sobre a gente. Nada pra dizer. E eu não aguento mais te olhar. A maior tristeza de todas ia se apoderando de mim enquanto descíamos as escadas. Meu coração rolava por aí. Os segundos passavam e eu ia ficando mais triste porque eu tive certeza de que o tempo finalmente tinha me vencido. Eu que sempre quis arrumar a sua vida não consegui arrumar nem a minha.
E.
Eu.
Não.
Tinha.
Absolutamente.
Nada.
Pra.
Dizer.
Não.
Conseguia.
Olhar.
Pra.
Você.
E o presente era só mais uma memória enquanto eu me despedia e entrava no carro, fechando as janelas. Tinha ficado frio dentro de mim. Lembranças, um punhado delas, espalhadas por cada centímetro do meu corpo. Era só isso. Sempre que eu vejo você, só vejo lembranças de um futuro que não fui capaz de criar. Nós somos os únicos que sabemos. Entro dentro do carro e não sei mais a definição de passado, presente e futuro. Tudo se misturou. E perdi as esperanças de um dia dizer alguma coisa legal sobre a gente. Não tem muito. E o pouco é nada quando estou com os braços jogados olhando pra fora da janela. Você vai embora como sempre e vai andar por aí e vai construir muitas histórias legais e sua vida divertidíssima e você super legal. E eu vou ficar aqui achando que um dia a gente vai se esbarrar na rua e eu vou ter alguma coisa legal pra te dizer. Eu cheguei em casa como se tivesse levado uma surra.
Meses depois você vem confirmar se eu estou feliz. É. Acho que sim. Já fazem 3 anos e hoje sonhei com você. Um sonho estranho que durou a noite. Ou a vida inteira. Você era meu herói não-humano. Você era alguma coisa que eu gostava de lembrar. Hoje eu não faço ideia se realmente teve alguma coisa pra lembrar. Mistério desvendado. Você não é humano, você é um sonho que eu parei de sonhar.
Eu.
Não.
Tenho.
Nada.
Pra.
Dizer.
E me sinto ridícula.
O tempo passou voando e não dissemos nada. Passaram horas. Eu preciso ir. Sempre precisei. E você me diz que o tempo passou voando. É. Eu talvez tenha concordado. Sou carregada pra longe por pássaros. Não escuto nada. Meus pés não tocam o chão. Minhas mãos tocam as suas pálpebras, tentando fechá-las. Seus olhos são um buraco negro e me tiram de mim. Desvendei o mistério e sinto tudo estranho. Você era meu herói, meu não-humano. Um dia eu ia ter alguma coisa legal pra contar dessa relação meio-amizade-meio-paixão-meio-saudade -meio-nada, não ia? E se o nada se parece como um grande buraco negro, como pássaros voando ao longe e vivendo pra sempre sem existir, é assim que eu me sinto. Mas de repente eu não tinha nada pra contar pra você. Nem pra ninguém. Sabe sobre mim ou sobre você ou sobre a gente. Nada pra dizer. E eu não aguento mais te olhar. A maior tristeza de todas ia se apoderando de mim enquanto descíamos as escadas. Meu coração rolava por aí. Os segundos passavam e eu ia ficando mais triste porque eu tive certeza de que o tempo finalmente tinha me vencido. Eu que sempre quis arrumar a sua vida não consegui arrumar nem a minha.
E.
Eu.
Não.
Tinha.
Absolutamente.
Nada.
Pra.
Dizer.
Não.
Conseguia.
Olhar.
Pra.
Você.
E o presente era só mais uma memória enquanto eu me despedia e entrava no carro, fechando as janelas. Tinha ficado frio dentro de mim. Lembranças, um punhado delas, espalhadas por cada centímetro do meu corpo. Era só isso. Sempre que eu vejo você, só vejo lembranças de um futuro que não fui capaz de criar. Nós somos os únicos que sabemos. Entro dentro do carro e não sei mais a definição de passado, presente e futuro. Tudo se misturou. E perdi as esperanças de um dia dizer alguma coisa legal sobre a gente. Não tem muito. E o pouco é nada quando estou com os braços jogados olhando pra fora da janela. Você vai embora como sempre e vai andar por aí e vai construir muitas histórias legais e sua vida divertidíssima e você super legal. E eu vou ficar aqui achando que um dia a gente vai se esbarrar na rua e eu vou ter alguma coisa legal pra te dizer. Eu cheguei em casa como se tivesse levado uma surra.
Meses depois você vem confirmar se eu estou feliz. É. Acho que sim. Já fazem 3 anos e hoje sonhei com você. Um sonho estranho que durou a noite. Ou a vida inteira. Você era meu herói não-humano. Você era alguma coisa que eu gostava de lembrar. Hoje eu não faço ideia se realmente teve alguma coisa pra lembrar. Mistério desvendado. Você não é humano, você é um sonho que eu parei de sonhar.
sábado, 14 de dezembro de 2013
Olhos nossos
Os olhos dele eram como duas chaminés grandes
Por dentro deles saía uma fumaça clara e escaldante
Que me impedia de enxergar
Alguma coisa
Os olhos dele eram da textura de suas mãos
E me lembravam paredes muito brancas e com um leve
Tom de azul
Serenos
Por detrás dos olhos dele havia uma tinta permanente
Pregava na gente
E eu tomei vários banhos dos seus lábios
E nada
Os olhos dele soavam como o relógio
Ficavam se movendo, se movendo
E nunca perdiam um brilho
Me sorriam e acenavam aqueles olhos
Eles emudeciam e me davam adeus, pálidos e lívidos
E cada segundo sem os seus olhos
Foi como ser cega desde que nasci
Eu não sabia andar sem os seus olhos
Não podia me mexer sem os seus olhos
Encolher as pernas e tudo o mais que você sempre disse
Que era coisa de gente estranha
Eu não conseguia fazer.
E mesmo se você saísse por um instante
Pra beber água
Eu queria ser a água que você bebia
O copo que você seguraria
Mas eu jamais poderia ficar
Sem os teus olhos
Seus olhos cheiravam grama molhada
A alma guardada
Um abismo camuflado cheio de luz
E eu queria entrar dentro deles
Arrancar as suas vísceras
Tomar o seu sangue
Te deixar cego
Como eu me sentia toda vez que você se ia
Onde eu iria guardar o meu amor se você dormia com eles fechados
E em paz
Pra quem eu iria sorrir se você não estava mais olhando pra mim
E todo segundo que você não estava lá
Eu não sabia fazer nada
Não tinha ninguém pra olhar pra mim.
E eu não sabia ser sem os seus olhos
Mas eu nunca fui nada perto deles
Eu decidi ser alguma coisa
Então no dia que você virou-se e foi, com a sua mochila nas costas
Eu tirei os seus olhos das órbitas, e coloquei no lugar os meus
Pra que você nunca pudesse mais me ver
Nunca mais pudesse mais me olhar ou me tocar ou me espremer
Me sufocar, arder, mandar e implorar
Com esses teus olhos.
Eu coloquei os meus pra você sempre me ver com outros olhos
Que não esses
E porque eram minhas e não as tuas vísceras
Que você começou a não mais me suportar
Como os ricos odeiam os pobres
Pelo simples fato deles existirem
Eu fiz você me olhar com os meus olhos
Porque assim, eu nunca mais sofreria a maldade dos teus
E em um segundo, como se não percebesse a loucura do ato
Eu passei a te detestar também
Você me olhava com os meus olhos
E eu nunca mais olhei nos teus
quinta-feira, 12 de dezembro de 2013
A carta que eu te fiz que começou do fim
Hoje sonhei com gritos. Palavras mudas. E decidi jorrar sangue já que poucas vezes fui ouvida. Tudo vai bem. Sei que você não perguntou. Do quintal descobri que aquele barulho que assustava tanto a gente era só a tartaruga. Ela escondeu de novo. Igual você, aquela vez. Meu pai continua colocando o DVD que a gente tanto detestava aos domingos e nos aniversários. As cachorras nunca mais latiram pra você porque você nunca mais apareceu por aqui. Ficou um silêncio triste. Na sala, no meu quarto, na cadeira onde eu deixava o seu moletom. Perto da piscina onde a gente olhava o céu. Preenchido pelos calafrios da falta das suas mãos em mim em uma noite fria. Esse amor me dava 40 graus de febre. Silêncio substituído gradualmente pela resignação. Que nunca desejei. As minhas tias finalmente pararam de perguntar sobre você e me dizer aquelas coisas de “quem ama vai atrás”. Elas não faziam ideia de que eu te seguiria pelo universo se um dia tivesse tido a chance. Fazer o quê. Voltei a comer e até a achar graça na vida, olha só, a mesma pessoa por quem você se apaixonou um dia. Acabei descobrindo que aquela parte de mim que você tanto detestava era só outra parte de você tentando morrer. Veja bem, meu velho amor, você foi embora da minha vida e nem me deu a chance de te agradecer. Você me soltou as algemas. Elas eram de plástico e mesmo assim eu não tinha forças para me libertar. Obrigada. Hoje sou uma pessoa melhor. Só de te olhar. Porque se antes te tomava como exemplo, hoje continuo fazendo isso, só que de um jeito que você não ia gostar de ouvir. Algumas coisas são melhores quando não são ditas. As flores que você me deu no nosso aniversário de um mês murcharam dias depois. Coincidências não existem e o que havia entre nós estava morrendo também. É que as rosas amarelas nunca seriam tão bonitas quanto o que eu sentia por você. Nos dois casos, reguei igual um jardineiro inexperiente e desesperado. Seus olhos cansados e marejados hoje olham outros olhos, mas, ainda, de vez em quando, esbarram com os meus. Que ainda continuam verdes no sol. Outras pessoas tiveram a chance de notar. Continuo sendo quem eu sou. Aquela que você não me deu espaço pra ser. Aquela que você tanto diminui depois com o discurso disfarçado de antes de “vá atrás dos seus sonhos”. Eles estão se realizando, mas dessa vez eu não precisei das suas palmas. Apenas parei de procurar respostas para as suas perguntas. De uns tempos pra cá, o jeito foi transformar os pontos de interrogação em pontos finais. Você deve ter guardado o porta-retrato que te dei. Nós dois, sorrindo. Numa dessas gavetas sujas que você nunca abriu pra mim. Ou deve ter pisado em cima até os cacos sumirem. Na verdade, esse é o tipo de coisa que eu faria. Sempre fui mais radical. Você e seu maldito medo de jogar as coisas fora fazendo as pessoas acreditarem que jogaram. Justo eu que sempre quis guardar tudo. Que ironia, virei mais uma coisa da sua vida cheia de coisas que não são ela. Você abriu mão de tudo por alguém que não chora muito, mas também não te olha com meus olhos encantados e não te chama de vil nas horas vagas. É que eu tenho certeza que você pesquisa as palavras que perguntava pra mim. Ou talvez tenha perdido o interesse por elas. Minha priminha parou de perguntar de você. É que eu disse pra ela que você tinha me feito chorar. Todo mundo te esqueceu. Eu só não sei onde você foi parar porque nunca mais te vi. Não canto mais a música que era nossa, mas ela tocou tantas vezes que parou de doer. O problema é que você tinha mais apreço pelo que sentia por mim do que por mim mesmo. Eu poderia ir aí à sua casa gritar, eu poderia ir pra rua gritar, eu poderia gritar daqui, poderia desopilar todos os cantos da minha garganta. É só que aprendi que nenhum grito teria a intensidade suficiente pra você ver o que aconteceu. Meu anjinho me levou pra voar a 100 mil metros do chão e fez questão de me jogar lá de cima. Do que valeu tudo então? Não foi nem o tombo grande, foi o fato de você ter jogado que doeu mais. Cada palavra vomitada foi um prego no meu coração. Já retirei todos e as marcas continuam lá. Imatura, covarde, hipócrita. Martelando, cuspindo, sangrando, escorrendo. Um som que nunca para de latejar. Ironia ser chamada de covarde sendo que retirei coragem de onde já nem tinha pra te defender dos que não entendiam o meu amor. Me lancei na sua frente e recebi um tiro pelas costas. Imatura e hipócrita sendo que aceitei calada a maior hipocrisia que já vi acontecer diante dos meus olhos. Pra você era mais fácil me deixar errar do que tentar consertar as coisas. Você e esse seu sorriso que eu achava lindo, mas que hoje me parece oco. Coragem deve ser deixar sem resposta por vários dias alguém que sempre procurou palavras pra te explicar. Alguém sofrendo com manchas cada vez mais escuras por cima da carne. Com manchas cada vez mais escuras embaixo dos olhos. A sinceridade que te dei merecia um fim mais digno. Você deixou que eu pisasse em falso enquanto andava livremente. E depois fingiu a queda pra que todo mundo sentisse pena de você. Eu já estava no chão mesmo. Nunca precisei derrubar você pra ser alguém melhor. Já me bastava o peso da minha própria dor. E olha que, dessa vez, eu tinha muita coisa pra dizer. Depois de um tempo o covarde foi você, e somente você. Que me deu a capacidade de sonhar, mas pisou com brutalidade em cada um dos meus sonhos (o que acabou me dando mais força pra ir atrás deles). Isso é só pra dizer obrigada, mesmo que você tenha ido pra um lugar muito distante e nunca seja capaz de ler. É que depois desses meses todos você já deveria saber que eu nunca vou deixar de escrever sobre qualquer coisa que me marque da cabeça aos pés. Você querendo ou não, eu sou dona das minhas palavras. Principalmente das que calei. Você sempre será escravo das que pronunciou. Obrigada por ter chegado, e principalmente, por ter partido. Hoje sim te chamo de vil. Mas você só vai descobrir o que significa no dia que conhecer alguém assim.
OBS: “Outro dia uma amiga me perguntou o que você tinha me ensinado. A gente estava conversando sobre os legados que as pessoas deixam em nossas vidas e ela quis saber qual tinha sido o seu. E você? Que raios você me ensinou? Fiquei sem saber na hora, fiquei sem saber o que responder pra ela. Mas hoje, posso dizer que foi você quem me ensinou a lição mais importante da minha vida: você me ensinou a sofrer. É claro que eu sofri na escola, quando para alguém me enxergar eu tinha de promover bizarrices. Mas eu era muito nova para me separar das bizarrices e acabava também chamando a minha atenção: será que eu sou bizarra? Depois, em casa, quando eu dobrava direitinho o uniforme para o dia seguinte e me sentia um papel de parede bege que ninguém entende pra que serve, eu pensava: um dia um príncipe vai me levar pra longe dessa falta de vida, dessa falta de beleza, dessa falta de compreensão, dessa falta de cor, dessa falta de sei lá o que porque eu era novinha demais pra saber o que faltava. Esperar o raio do príncipe sempre disfarçou minha dor, sempre me refugiou dela. Mas quando você me mandou seguir meu caminho sozinha, fiquei sem saber como fugir da dor. Você era meu príncipe. Depois de tantos amores estranhos, pequenos, errados e tortos, finalmente eu tinha reconhecido, no seu olhar centralizado e no seu sorriso espalhado, o meu príncipe. Sofri pra caralho, como diz por aí quem sofre pra caralho. Mais do que músicas bacanas, frases inteligentes e lugares descolados, você me ensinou o que realmente importa aprender na vida: que ela pode ser uma grande, imensa, gigantesca merda. E que não existe porra de príncipe porra nenhuma. Que nem ninguém nem nada pode te levar para longe de nada. É isso e pronto. E é assim pra todo mundo. E pronto. Qual o drama? Essa dor trouxe vasos jogados, bitucas eternas de cigarro em longas discussões pesadas, tardes perdidas em odiar o mundo, cabeças viradas, corredores frios, papéis de parede beges e grupinhos festivos e fechados. Mas agora já passa da meia-noite, e pra te falar a verdade, eu já não sofro mais o nosso fim faz tempo. E, pra te falar ainda mais a verdade, eu acho mesmo que você foi o príncipe que eu esperei a vida inteira. Você chegou e me levou embora. Levou embora a menina que tinha medo de sentir a vida e esperava uma salvação para tudo. Quem sobrou é essa desconhecida que se conhece muito bem em suas bizarrices, substitui o bege pela cor do verão, tem uns pais gente boa ainda que malucos, adora os poucos e estranhos amigos, não espera mais pelo cavalo branco, mas talvez esteja pronta pra amar de verdade. Amar um homem, e não um príncipe.” Tati Bernardi
segunda-feira, 4 de novembro de 2013
Carta de um infeliz
Hoje quis tocar seu braço e encostei no meu. Senti muita saudade e a minha pele parecia fria demais pra me confortar. Eu não consigo nem comprar pão mais. Você que resolvia tudo, talvez por isso a minha vida parou um pouco sem a sua voz pra me dizer o que eu deveria comprar, o que eu deveria fazer, quanto eu deveria receber de troco. Era sempre você quem me colocava pra frente na estrada da vida. Veja o ser humano desprezível que me tornei. Nem deitar consigo mais. Nenhuma posição me parece confortável o suficiente. Os remédios não ajudam muito, só me deixam um pouco mais devagar do que eu já costumava ser. Às vezes esqueço de tomá-los, e acho que você ficaria bem brava comigo. Me desculpe por ter tornado a vida tão mais difícil do que precisava ser. Mas eu não consigo aceitar o fato de nunca mais olhar o seu rosto no sol. É muito difícil tomar café, pagar as contas, viver. As pessoas me dizem pra viajar, recomeçar, mas nos inúmeros lugares pra onde fui, em nenhum deles encontrei você. Todos os dias chego em casa querendo te contar algo, para depois lembrar que só restam as paredes para me ouvir. Dizer que me sinto vazio seria quase um pleonasmo, mas não me sinto sozinho. Ao menos. Não nessa casa em que cada garfo e faca já guardaram o seu toque. Eu vivo te procurando em todos os lugares, e não quero viajar, não quero recomeçar, não quero te esquecer. Seria egoísmo demais continuar vivendo sem as lembranças da unica pessoa que me fez viver de verdade. Sinto muito por trocar os pares das meias e ter bagunçado o armário todo. Eu estava procurando a camisa que usei no nosso primeiro encontro. Ainda tinha a marca do seu batom. Estou envergonhado, meu amor, estou muito triste mesmo. Por não conseguir levar a vida tão bem do jeito que você queria que eu tivesse feito. Mas estou tentando, afinal, eu sempre te disse: por você eu faço qualquer coisa.
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