Eu tinha certeza de tanta coisa na minha vida. Certeza da
mão quentinha nas minhas costas, certeza quando acordava de manhã. Certeza de
você, quando você me ligava numa tarde qualquer. A gente se acostuma tanto com
o sol nascendo de manhã que quando ele não nasce é esquisito. Quase engraçado.
Mas não chega a ser porque existe uma linha tênue entre as coisas de verdade e
as coisas que podem ser só sentidas com o coração. Eu tinha certeza que não ia ser feliz nunca
mais. Que bobagem. Que bobagem é a vida. Que estranho. Hoje joguei umas
palavras fora (do computador) e tive certeza dessa frugalidade que é viver.
Hilário. Quase entediante de tão louca. Hoje apagando essas palavras pensei no
que minha terapeuta disse do martelo, dos pregos e da madeira. Se retirarmos os
pregos da madeira, as marcas permanecem lá após anos. Ou quando um espelho
inteiro lindo quebra e a gente tenta limpar com as mãos sangrando em busca de
um brilho qualquer. Esse texto não é sobre nada em especial, só o fato de que
eu hoje parei pra rir de como a gente tem tanta certeza das coisas e no final
descobre que não era nada daquilo. As certezas são eternas enquanto duram. E
engraçadíssimas quando passam. Vivemos em busca delas, pra ver se fincamos um
pouco o pé no chão em meio a esse mundo que gira rápido demais. Mas meu pai
sempre me disse que se a gente afunda o pé demais na areia a onda nos leva. É
por isso que eu ando mudando os pés de lugar às vezes. Pra dar pé viver. Pra
dar pé amar. Pra onda não levar. Meu pai anda um pouco cansado já pra me
segurar quando eu tô com medo do mar. E nunca se sabe se os salva-vidas vão
chegar a tempo. Bobagem contar com a sorte. A sorte é só mais uma dessas
certezas equivocadas e de última hora que a gente coloca na cabeça pra não
morrer afogado num oceano de dúvidas. Eu engasguei um pouco com o sal do mar
pra aprender que eu não sou peixe. Mas minha vó sempre me chamou de sereia. Ah,
que bobagem a vida. As coisas são tão efêmeras. Como as folhas que despencam das
árvores num aceno tímido. E não voltam nunca mais. Temos certeza das coisas enquanto
elas sorriem, abraçam, beijam. Temos certeza das coisas enquanto são, depois
que elas apodrecem, murcham, não são mais. Nós e nosso mundinho de certezas.
Certezas tão passageiras e subestimáveis. Coitadinhas das minhas certezas.
Reguei com tanto amor. Como rosas que uma vez tiradas da raiz morrem em dias.
Eu tinha certeza no quentinho das mãos todos os dias. Acostumei com as mãos
geladas, que apesar de tudo, são minhas e são mais dignas. Um pouquinho que
seja. Porque não quero ter certeza. Não gosto, não aprovo, não faço questão. Coitadinhas.
Tão pequenas e imaturas que nem mereciam existir. Mas é necessário que existam
porque viver sem elas é como viver sem a mão do meu pai no mar quando eu era
pequena. Mesmo que eu tivesse que nadar um pouco pra alcançar. Porque eu tinha
certeza que ia amar tanta gente pra sempre. E porque sou tão capaz de amar que
minhas certezas tiveram ciúmes de mim. E me roubaram só pra elas. Porque amar
não precisa ser pra sempre. Já foi. Mesmo não sendo. Só de ser amor já foi pra
sempre. Sinceridade na alma é tudo, mesmo que o outro não tenha existido de
verdade. E eu ri da minha falha. Eu brinco dessa coisa porque gosto de
acreditar na eternidade como um véu de noiva que o noivo levanta pra beijar como
se aquele fosse o único momento importante na vida. Porque eu achava graça do
meu pai me dizendo que o mar ia me levar e eu sempre tive tanta certeza que um
dia ia levar mesmo. Nem veio. O tempo passou e o mar nem veio mais. O tempo
passou e é só isso. De novo. Não que algum segundo ou milésimo de segundo tenha
deixado de passar. É só que, de uns tempos pra cá, ele tem passado rápido
demais. Talvez por causa das dezenas de rosas que eu joguei no mar pra Iemanjá.
Talvez o mar nunca veio porque eu nunca fui. E talvez eu nunca tenha ido porque
tinha certeza que ele viria. Que azar o meu. Nunca contei com a sorte. Que bom.
O tempo passou. É só isso. Minhas rosas estão no Pacífico, murchas, por aí,
como as minhas certezas. Tinha tanta certeza do quentinho nas costas e do
sorriso que aquecia as minhas manhãs, tardes, noites, certeza de que nunca mais
fosse ser feliz, e a única certeza que eu tenho é que, infelizmente e super
clichê, amanhã é mesmo outro dia. Até que a certeza do outro dia vire pó como o
resto todo.